“Eu não tenho palavras para descrever a emoção, me dá vontade de chorar só de contar”, disse Kátia Silvério, capitã do reinado de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Efigênia, ao falar da bandeira feita de aço fundido encontrada em uma pequena capela no bairro Padre Faria, em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais.
A peça tem pelo menos duzentos anos e remonta a origem da manifestação religiosa criada por africanos escravizados. Kátia, que resgatou a manifestação religiosa há 11 anos, foi quem fez a descoberta.
“Eu procurava a bandeira de Nossa Senhora do Rosário, que usamos todos os anos. Ela fica na Capela de Padre Faria. Mas aí, seu Wilson, o zelador que tem quase 90 anos, disse para mim que sabia de uma mais antiga. Ele foi me mostrar e aí me arrepiei toda quando vi”, contou ela.
A bandeira comprova que a tradição do reinado surgiu na antiga Vila Rica há mais de 200 anos.
“Por ser feita em ferro fundido e no século XVIII, ela foi feita pelas mãos de quem conhecia o ofício. Naquela época, quem dominava isso eram os africanos de Benin, Gana e Burkina Faso, sequestrados pelos portugueses e trazidos para cá”, disse a historiadora, pesquisadora da cultura africana e diretora de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Ouro Preto, Sidnéa dos Santos.
Segundo restaurador Aldo Araújo, não há nenhuma marca de solda na peça.
“Ela foi feita em ferro fundido de pelo menos 200 anos. Os pigmentos são de origem mineral e vegetal, como a linhaça”, disse. As imagens pintadas na bandeira são de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Beneditos, todos negros. “Cerca de 45% da pintura se perdeu com a ação do tempo. Então nós estamos aos poucos repondo essa pigmentação”, contou o restaurador.
O resgate desta bandeira pode ajudar a descobrir quais são as raízes de muitas pessoas que vivem em Ouro Preto.
“É nossa ancestralidade. Nossos antepassados já coroavam reis negros aqui em Vila Rica. Marcaram com ferro a nossa história. E o ferro, para nós, simboliza o sagrado”, contou Kátia. Patrimônio imaterial
A bandeira será entregue neste sábado (11) em meio às festividades do reinado e durante a entrega da Casa da Cultura Negra de Ouro Preto.
“Nós também vamos entregar o título de Patrimônio Imaterial de Ouro Preto a esta manifestação cultural e religiosa, fundamental para a história da cidade”, disse o secretário municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto, Zaqueu Astoni. As celebrações começaram neste domingo (5) e vão até o dia 12.
“Além deste título, nós fomos presenteados com esta descoberta. É uma prova da presença do reinado entre os nossos antepassados. É força”, disse Kátia.
Fonte do texto: Por Thais Pimentel, G1 Minas