Matriz de Danos dos atingidos é alvo de julgamento no TJMG
    Foto: MAB  Movimento dos Atingidos Por Barragens

    Após quatro anos do crime da Samarco, Vale e BHP Billiton, as comunidades atingidas em Mariana voltam a ficar apreensivas com os rumos da reparação. Isso porque, amanhã (04), às 13h30 será julgado o recurso feito pelas mineradoras contra a liberação do valor para o pagamento da Matriz de Danos dos atingidos pela barragem de Fundão. A Matriz de Danos é fruto da luta das comunidades atingidas por construir ferramentas que contribuam para que a reparação seja a mais justa possível. Trata-se de um instrumento que visa valorar os danos sofridos com o rompimento, cujo objetivo é embasar as indenizações dos atingidos. Ela deve ajudar as comunidades a cobrar das empresas e da Fundação Renova valores dignos de indenização.

    Entenda o caso

    O julgamento, que acontece amanhã na 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG – Unidade Afonso Pena), diz respeito ao recurso apresentado pelas empresas contra a decisão da juíza Marcela Decat. No dia 11 de junho de 2019 a juíza determinou a liberação de R$1.541.025,81 (um milhão, quinhentos e quarenta e um mil, vinte e cinco centavos e oitenta e um centavos), para a contratação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead) e do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar), vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com isso, foi possível a realização dos trabalhos relativos à precificação dos danos sofridos pelos atingidos de Mariana com o rompimento da barragem de Fundão.

    Assim que a informação sobre o recurso judicial chegou às pessoas atingidas, a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão de Mariana organizou um abaixo assinado que foi enviado ao TJMG. O objetivo foi mostrar que a atitude das empresas é um ataque à luta por uma indenização justa.

    MATRIZ DE DANOS DOS ATINGIDOS: esperança de uma indenização justa

    Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da Barragem de Fundão – operada pela Samarco Mineração S.A. (Vale S.A. e BHP Billiton) – resultou no derramamento de milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, o maior desastre socioambiental do Brasil, conhecido por nós como CRIME, responsável por tirar vidas, destruir comunidades, famílias, meio ambiente em suas diversas formas, tudo que compunha a vida das comunidades atingidas. 

    Desde então, temos convivido cotidianamente com a RENOVAção deste crime através dos inúmeros direitos negados, violados e prorrogados ao longo de quatro anos, imersos na angústia da espera pela reparação JUSTA das perdas e danos que nos foram causados. Certa vez uma atingida sabiamente disse: “sinto que pausei um filme para buscar a pipoca e até hoje o nao dei o play”. Desde novembro de 2015 esta tem sido a sensação de centenas de famílias na espera cruel pelo reassentamento, por indenizações justas, pelo reconhecimento dos danos causados e pelo respeito por parte das empresas causadoras do crime.

    O cotidiano de luta para reconhecimento e garantia dos direitos tem sido árduo, em meio a muitos desafios, também acumulamos importantes conquistas. Em 2017, nós atingidos e atingidas conquistamos o direito de reformulação do Cadastro proposto pelas empresas, a partir de então foi possível a construção de um novo processo de levantamento das perdas e danos, construído com e a partir da perspectiva dos atingidos e atingidas. Com base nesse levantamento das perdas e danos executado pela Cáritas, nós podemos ter em mãos o registro dos danos sofridos, em suas dimensões materiais e imateriais – para além dos que a Fundação Renova já sabe e reconhece que sofremos – registrados no Dossiê. A partir desse levantamento, percebemos a necessidade de termos uma matriz de danos que reconhecesse e valorasse de forma justa todas as perdas e danos declaradas pelas comunidades atingidas.

    O principal objetivo da nossa matriz é contrapor, com base técnica, os baixos valores ofertados pela empresa e colaborar na construção da reparação justa e integral. É importante ressaltar que ao contrário do que foi afirmado pela Fundação Renova, a matriz praticada hoje em Mariana, bem como em toda a Bacia não contou com a participação dos/as atingidos/as em NENHUMA de suas etapas.

    Neste momento, encerramos um ciclo de trabalho com a elaboração da Matriz de Danos dos Atingidos de Mariana. Nossa luta continua para fazer com que a empresa reconheça e cumpra os valores estabelecidos com base em estudos, metodologias elaborados pela Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e outros parceiros, e especialmente com a nossa participação. Infelizmente até o momento temos visto que a empresa segue não reconhecendo e negando o nosso direito a uma reparação justa.

    São quatro anos em que nossas vidas se transformaram e que desde então esse sofrimento parece não mais acabar, perdemos amigos, familiares, o convívio com nossos filhos, nossos modos tradicionais de vida. A empresa tem pautado nossas vidas, nosso tempo, nossa dignidade e neste momento pauta a nossa separação. São quatro anos participando de inúmeras reuniões, alinhamentos, GBs, GT’s e audiências, na busca por soluções e pela garantia de direitos que nos têm sido negados. O tempo que antes era de convívio com nossas famílias e comunidade, hoje se volta para infinitas reuniões com a empresa, e seguimos sem respostas. A cada audiência nossa angústia aumenta, em contrapartida os advogados daqueles que nos ferem diariamente não se preocupam sequer em esconder o sorriso e respeitar nosso luto.

    Não queremos enriquecer, tampouco nos aproveitar da empresa. Queremos apenas retomar nossas vidas com a sensação de que a justiça foi feita, sabendo que a Samarco, Vale e BHP aprenderam algo com essa história e, que outros não sofrerão como temos sofrido. Hoje rezamos por nós, por nossos amigos, rezamos para que a justiça nos veja para além de atingidos e atingidas. Nos veja enquanto semelhantes que clamam por justiça.
                Nosso apelo é de que não fechem os olhos e lavem as mãos para as violações que diariamente têm sido cometidas nas Negociações Extrajudiciais das Indenizações que estão acontecendo em Mariana. Nossa apelo é para que famílias que hoje convivem com o rejeito, com as máquinas, com o isolamento comunitário, sem o Rio, sem os amigos, não sejam chamadas para receber propostas de valores que não são justos, para ouvir que os danos sofridos não são reconhecidos e não serão indenizados, para ouvir que não são reconhecidos como Atingidos/as.
                Nosso apelo é para que a nossa matriz seja reconhecida e praticada, nosso apelo é para que cada dano gerado, para cada sofrimento por nós declarado, seja indenizado com valores justos. Seguimos unindo forças por todos esses anos, lutando coletivamente para que todos sejam reconhecidos e reparados pelos danos que sofreram.

    Por fim, após quatro anos novamente nos reunimos hoje para trazer nosso apelo por justiça, demonstrar que apesar de todo o sofrimento, a esperança é e tem sido parte de nossos dias.

    Fonte: Cáritas Regional Minas Gerais <jornalismomg@caritas.org.br>