Os judeus em Minas Gerais

    Em 1591 nomeou-se o primeiro comissário do Santo Ofício, Heitor F. de Mendonça o qual chegou na Bahia no dia 09 de Junho. Oficialmente o decreto de instituição da Inquisição em Portugal e nos países do Reino só aconteceu no dia 31 de Março de 1821.

    Entretanto, a separação entre Igreja e Estado no Brasil só ocorreu em 1891, na primeira constituição republicana, quando o direito de crer ou não crer foi respeitado.

    Podemos afirmar sem sombra de dúvida, de que o Brasil foi o país do mundo onde a Inquisição durou por mais tempo, 381 anos se considerarmos a data do descobrimento que ocorreu nos primórdios da introdução da Inquisição em Portugal.

    As comunidades judaicas se localizavam preferencialmente em cinco Estados. Iniciou-se na Bahia, Pernambuco, Paraíba. Mais tarde, no Rio de Janeiro e Minas Gerais, o Estado que mais se destacou no Brasil no século XVIII e no mundo, quando a notícia da garimpagem do ouro nos seus rios tornou-se e uma sonho para muitos aventureiros.

    As idéias iluministas da Revolução Francesa, trazendo uma nova ordem institucional, refletiu diretamente nesta capitania, destacando os famosos e ilustres inconfidentes mineiros, entre os quais, os cristãos-novos descendentes dos judeus portugueses que desempenharam relevantes papéis na independência que mais tarde viria.

    Abaixo consta a relação de cristãos-novos de Minas Gerais que foram julgados pela Inquisição de Minas Gerais (estes processos foram analisados pela historiadora Neuza Fernandes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro conforme o livro de sua autoria denominado “A Inquisição em Minas Gerais no século XVIII”.

    Processos de Inquisição em Lisboa

    1. Agostinho José de Azevedo nº 8.670

    2. Antônio de Sá Tinoco nº 2.490

    3. David Mendes da Silva nº 2.134

    4. Diogo Lopes Simões nº 8.209

    5. Domingo Nunes nº 1.779

    6. João de Moraes Montezinhos nº 11.769

    7. João Luiz de Mesquita nº 8.018

    8. José Nunes nº 430

    9. Luiz Vaz de Oliveira nº 9.469

    10. Luzia Pinto nº 252

    11. Manuel Gomes de Carvalho nº 7.760

    12. Martinho da Cunha nº 8.109

    13. Miguel Nunes Sanches nº 8.112

    14. David de Miranda nº 7.489

    Todos esses processados foram acusados de crime de judaísmo entre 1712 e 1763.

    Também através desses processos, Neuza Fernandes constatou a importância dos cristãos novos que detinham o poder nas transações financeiras e comerciais da região. Neles estão registrados dívidas e empréstimos por compras e vendas de mercadorias, de imóveis, gados, escravos, ouro e diamantes.

    Milhares de cristãos novos tornaram-se prósperos e bem sucedidos cidadãos do Estado. Era comum nesta época a ocupação de terras devolutas. Inicialmente, estas famílias marranas moravam nas imediações de Ouro Preto, Mariana, Sabará , Serro Frio, Brumado. Mais tarde, começaram a imigrar para outras regiões que mais tarde receberiam o nome de Jequerí, Ponte-Nova, Rio Casca, Caatinga, localizadas mais na zona da mata mineira. Outras imigraram-se para o norte do Estado, motivados pelo ouro de aluvião no Rio das Velhas e minas de prata em Sete Lagoas. Mais ao norte, a região de Diamantina e Araçuarí se destacariam pela abundância de pedras preciosas.

    Borba Gato, genro de Fernão Dias Paes, foi destacado para seguir o Rio dos Velhos em estudo. Prosseguindo, alcançou Paraopeba fundando o arraial de Santana, onde permaneceu por alguns anos. Prosseguindo mais para o norte, chega ao sumidouro, no Serro Frio, onde fundou mais arraiais. Nesta época, surgiam os arraiais de Baependi, Matias Cardoso, Olhos d’água, Montes Claros, Conquista etc.

    A expedição dos bandeirantes ligou, finalmente, o norte com o sul, do Serro Frio para Bahia e São Paulo.

    A descoberta do precioso metal continuou. Sua descoberta inicial data de 1693 com Borba Gato Entretanto, expedições de Fernão Dias, Duarte Lopes descobriram o ouro nas imediações de Mariana. Destaca-se também na região das Minas Gerias, a presença do cristão novo Antônio Rodrigues Arzão (Hazán – que em hebraico quer dizer “Cantor” das rezas nas sinagogas) no descobrimento do nobre metal em 1643. [3]

    Pedroso da Silveira e Bartolomeu Bueno de Siqueira foram aqueles que apresentaram as amostras de ouro das Minas Gerais ao Governador do Rio de Janeiro, Antônio Paes de Sande, e a partir do seu sucessor (Sebastião da Costa Caldas), essas amostras foram enviadas a D. Pedro, o El-Rei, em 1695.

    A partir de 1705 a região da mineração sob o domínio dos paulistas. Estima-se que a corrida do ouro levava anualmente para Minas de 8 a 10 mil pessoas norteadas pala visão das serras brilhantes, ricas em mica? , cujo brilho se confundiria com o do ouro.

    Assim, o sertão mineiro era cada vez mais devastado na região do pico Itacolomí.

    O propósito deste pequeno relato histórico e continuar a presença dos cristãos novos na expansão comercial deste precioso metal, que acabaram habitando muitas terras após o apogeu do ouro e diamante que ocorreu no período de 1750 a 1760 estendendo até a virada do século.

    Consequentemente, novos caminhos do ouro iam surgindo. Os mais conhecidos foram o Velho, o da Bahia, o de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Mais tarde, surgiram os caminhos para Goiás e Mato Grosso. De São Paulo para o Rio Grande do Sul a rede hidrográfica foi bastante utilizada.

    O ouro descoberto descia das Minas Gerais pela Serra da Bocaína e escoava pelo porto do Rio de Janeiro. Este trecho ficou conhecido como o Caminho Velho. O segundo caminho do Rio para Minas ficou conhecido como o Caminho Novo e se tornou a grande Estrada Real, que passou a ser o principal Caminho do Ouro. Sua construção iniciou em 1648 por Garcia Rodrigues a pedido do Governador do Rio. O percurso seguiu pela Serra da Mantiqueira e a Serra do Espinhoso até o registro velho e a borda do campo (município de Barbacena), passando por Palmira (Santos Dumont). Depois, seguia-se em direção à Juiz de Fora, Matias Barbosa, Simão Pereira, Três Irmãos, Rocinha da Negra, paraibuna. Do outro lado do rio Paraíba, o Caminho seguia em direção à Roça do Alferes, Serra do Couto, Tinguá (no pé da Serra), Iguaçu Velho alcançando a Bahia da Guanabara até o Porto do Rio de Janeiro.

    Este caminho possibilitou o povoamento de Minas e o escoamento do Ouro para a coroa portuguesa.

    A Inquisição não havia acabado e, por isso, os judeus cristãos-novos temendo as súbitas perseguições e acusações, procuravam as montanhas de Minas, mais distante do Porto do Rio e mais seguro, para ali se estabelecerem com suas famílias. As regiões de origem dos cristãos-novos que imigraram para Minas Gerais podem ser identificadas como sendo:

    1. Após o Domínio Holandês no Brasil (1654): Pernambuco => Bahia => Minas Gerais. No início, pelo rio São Francisco e, mais tarde, pelos caminhos Velho e Novo, Rio para Minas

    2. Direto de Portugal.

    3. A partir de 1705, quando as minerações passaram para o domínio dos jesuítas.

    Entretanto, pelas minhas pesquisas, a maior parte dos cristãos-novos foram provenientes da Bahia/Rio/Minas, uma vez que a primeira comunidade judaica ocorreu durante o domínio holandês na Bahia e Pernambuco. Pelos processos inquisitoriais, analisando a procedência dos processados, deduz-se que a maioria deles eram oriundos da Bahia, Minas e Rio de Janeiro.

    Quando as Minas começaram a se esgotar, depois de três décadas de grande produção (1750/80), a vila virou um humilde povoado. Os mineiros, então, que não tinham mais raízes no norte ou mesmo no sul, passaram a procurar outras atividades, deslocando-se para terras mais férteis da Zona da Mata ou para os campos de criação de gado.

    Isaac Izeckson [4] calcula que a imigração para Minas chegou a 800.000 indivíduos, sendo que a metade era um expressivo número de cristãos-novos. Augusto de Lima Júnior também confirma este grande número de contingente de cristãos-novos que abandonaram Portugal, sobretudo o norte, para se radicar em Minas.

    “Na verdade, Portugal sofreu a maior Sangria Migratória para as Minas Gerais. Foram multidões de cristãos-novos portugueses que atravessaram os oceanos, montanhas e florestas cerradas, para justamente com os africanos, fazerem a história de um povo”, afirma Neuza Fernandes [5]. Abaixo, alguns exemplos de cristãos-novos, grandes atacadistas e agentes financeiros do Estado de Minas Gerais.

    David de Miranda, português, morador em Ribeirão do Carmos, hoje Mariana, durante os anos de 1721 e 1724. Foi importador de tecidos de Lisboa em empreendimento com seu irmão Francisco, atendeu esse negócio até as Minas. Concomitantemente, aliou-se ao cunhado, Diogo de Ávila Henriques, que, por sua vez, era sócio do primo Diogo de Ávila. Outros primos, Gaspar Henriques e Jerônimo Rodrigues mantinham ativo comércio entre Minas e Bahia, incluindo roupas e tecidos.

    Damião Roiz Moeda, tinha negócio de transporte de cargas de negros, chapéus e escravos do Rio de Janeiro para Minas Gerais. Era sócio do cunhado, João Roiz Vizeu, e do proprietário de engenho João Roiz do Vale, que financiou a sociedade estabelecida na base de um terço dos lucros para cada um.

    Francisco Nunes de Miranda, (o nobre nome “Nunes” tem origem do hebraico “Ben Num” – “Filho de Num”; o sobrenome “Miranda” vem da importante cidade da fronteira de Portugal com a Espanha, a qual recebeu a maior quantidade de judeus expulsos da Espanha em 1492). Cristão-novo. Foi médico e rico comerciante, com domicílio na Bahia, Rio e Minas (cidade-Mariana). Mantinha relações comerciais com Francisco Pinheiro e com outro parente, Joseph de Castro, que transportava escravos da costa de MIna e de Angola para o Brasil. Foi o primeiro cristão-novo preso no século XVIII no Brasil pela Inquisição – Processo Número: 1.292. [6]

    Manuel Nunes Viana, rico comerciante e homem de negócio de ouro, escravos, terras e gado, sediando na fazendo de Jequitaí, em sociedade com seu primo Luiz Soares.

    Miguel Telles da Costa, tinha relações comerciais nas praças de Minas, Rio e Portugal. Associado ao seu sobrinho, concentrou suas atividades na região do rio das Mórtes mais ao sul, próximo a Curralinhos e Itaperava – MG.

    João de Moraes Montezinhos, tinha em Minas, negócios com seu cunhado, trabalhando com carregamentos e recebendo uma percentagem de 5% sobre as vendas.

    Autor: Marcelo M. Guimarães

    Associado Efetivo do IHGMG- Cadeira 39 – Engenheiro Industrial, Escritor, Teólogo e Conferencista. Fundador do primeiro Museu da História da Inquisição no Brasil.