MARIANA : DA PRIMAZIA À LAMA
O primeiro contato com Mariana não é contemplado da forma como deveria. Ao chegar na primaz de Minas, muitas vezes ouvi pessoas de fora com diferentes intenções ao visitá-la.
Algumas vieram à procura do monstro de lama, da tragédia. Outros só queriam fazer uma breve visita à irmã esquecida de Ouro Preto para constar no seu mapa de turista. Mas, mal sabem eles da inesgotável fonte de histórias e tesouros ainda não explorados que aqui respiram.
Riquezas intocáveis para quem não respeita quem pisou nesse chão. Não há empresa ou político que possa tirar isso dessa gente.
A cidade surge com imponência a partir do que viria a ser seu maior vilão. Riquezas exploradas há séculos representam sua ascensão e ruína. A primeira capital de Minas Gerais não é respeitada como tal. Não podemos esquecer de todo trabalhado suado que construiu essa terra e, principalmente, temos o dever de reforçar quem a ergueu.
Os que chegam de fora, assim como eu, podem até se espantar com a bagunça, mas se você se permitir mergulhar nas profundezas das histórias fantásticas, a recompensa é indescritível.
O compromisso íntimo do marianense em receber bem as pessoas é único. O interesse pela vida dos outros pode até assustar na primeira impressão, mas entenda: a velha hospitalidade mineira só quer te ver bem, cuidar, participar. Simplesmente compartilhar a vida. Inicialmente podemos até nos fechar com tanto carinho, mas permitir esse acolhimento vale muito a pena. Ainda me impressiona tamanha receptividade em cada conversa despretensiosa nas esquinas.
Os pequenos e tão antigos distritos do vasto município possuem cada um sua própria poesia, sempre nos pequenos detalhes. O abrir das portas pode começar desde um “Cês aceitam um cafezin?”, até nos levar à essência do que o lugar representa e a importância de partilhar tanto conhecimento construído no cotidiano da roça.
A inconfundível gentileza de quem nasceu dessa terra se torna ainda mais especial quando temos a oportunidade de experimentar as vivências que se misturam entre aventuras urbanas e rurais. Grande marca de um povo que não abre mão de suas conquistas, e que mesmo após tantos forasteiros com más intenções e consequentes mazelas, ainda assim, faz questão de abrir a porta de casa pra quem quer que seja.
O cotidiano – às vezes caótico – se expressa nas sutilezas, quase que de forma imperceptível. O “bom dia” para todos os passageiros do ônibus lotado a caminho do trabalho, como se fossem velhos conhecidos, até para quem acabou de chegar. As longas conversas sobre como o tempo mudou ao longo dos anos, com minuciosas observações sobre a gradual chegada do inverno que vem para nos castigar.
Aqui os vizinhos participam da sua vida sem cerimônia, mesmo que através de janelas e diálogos curtos. A desconfiança e o modo de vida interiorano que, quando mal interpretados podem parecer timidez, mantêm disfarçado o genuíno interesse pela vida.
Mais uma vez peço licença para pisar nesse chão.
Para quem quiser, Mariana oferece um aprendizado valioso.
Conhecimento que não pode ser lido ou explorado, apenas vivido. Isso eles não arrancarão, nunca. A cidade que tem nome de menina e alma de preto velho resiste no interior de cada um de seus habitantes e nas histórias nunca contadas e, assim permanecerá.
João Marcos de Melo e Silva
Geógrafo