“Perda de tempo são as reuniões intermináveis com a Fundação Renova, que sempre posterga o direito dos atingidos. São os cinco anos de luta sem obtenção de resultados concretos, vendo vidas se perderem sem conseguir a reparação almejada. Na visão dos atingidos, a ação da Inglaterra se constitui na última esperança de se obter justiça. No Brasil, infelizmente, não há justiça quando se confronta o poder econômico-financeiro, que sempre prevalece”. Esse desabafo traduz a repercussão das tentativas de os advogados da BHP Billiton de qualificar como “sem sentido” o processo movido no Reino Unido por 200 mil atingidos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, por meio da membro da comissão de atingidos de Bento Rodrigues, a estudante de direito Mônica dos Santos, de 35 anos, que se encontra desempregada desde a última terça-feira (21).
Nesta sexta-feira (24), no Centro de Justiça Cível de Manchester, no Noroeste da Inglaterra, os advogados da BHP Billiton continuaram com sua explanação de três dias sobre os motivos pelos quais acreditam que a aceitação da Justiça do Reino Unido da ação estrangeira geraria duplicidade, uma vez que já há processos no Brasil. A tentativa tem sido de amenizar as declarações dadas sobre a apreciação da causa ser uma perda de tempo. “Os requerimentos feitos pela BHP, nem por um instante, buscam minimizar a relevância do colapso da Barragem do Fundão e suas consequências no Brasil”.
Na segunda-feira, será a vez de os advogados do escritório anglo-americano-brasileiro PGMBM defenderem que os atingidos têm direito de processar a BHP Billiton em sua sede, no Reino Unido, uma vez que, ao lado da Vale, a empresa anglo-australiana controla a Samarco, mineradora que operava o barramento. Esse pode se tornar o maior processo em termos de vítimas e valores do Reino Unido e a beneficiar brasileiros. O rompimento da Barragem do Fundão ocorreu em novembro de 2015, deixando 19 mortos, sendo que um dos corpos jamais foi encontrado. Entre Mariana e o mar no Espírito Santo, calcula-se perto de 700 mil atingidos ao longo da bacia hidrográfica do Rio Doce, que foi devastada por uma avalanche de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro.
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Os defensores da BHP Billiton em Manchester tentam demonstrar que, no seu entendimento, as duas principais ações civis públicas são o Termo Transacionado de Ajustamento de Conduta (TTAC), que foi assinado entre os entes federativos e as empresas, no valor de R$ 20 bilhões, e o posterior TAC da Governança (GTAC), com o ingresso das várias instâncias do Ministério Público, prevendo um valor de R$ 155 bilhões. A estratégia é mostrar que essa cobertura beneficia as pessoas que procuraram a justiça numa das sedes da empresa, no Reino Unido. “Os acordos celebrados nessas ações beneficiam mais de 99,97% dos autores na ação inglesa”, estima a BHP.
Outro aspecto que o corpo de advogados que representa a BHP Billiton sustenta é que apoia a controlada Samarco financeiramente nas ações de ressarcimento, em solidariedade, apesar de não se considerar diretamente culpada pelo rompimento por julgar se tratar de questões operacionais da mineradora em Mariana, sobre os quais não tinha controle. “Além disso, e não menos relevante, o trabalho de reparação da Renova, que está em andamento no Brasil, nos termos dos acordos celebrados, beneficiará 100% dos autores (que buscam processar a BHP no Reino Unido).”
Os defensores da empresa anglo-australiana tentam mostrar que a duplicação de ganhos indenizatórios ocorre por já fazerem parte de programas da Fundação Renova, das ações civis públicas ou de processos individuais na Justiça brasileira. “Quando os autores da ação inglesa preencheram os questionários, no início de 2019, e que serviram de base para suas “petições iniciais” individuais, geradas por computador, 67.316 desses autores declararam que também haviam ajuizado processos individuais no Brasil”.
Para a BHP Billiton, isso seria suficiente para demonstrar que os autores tiveram e continuam a ter o benefício das Ações Civis Públicas ajuizadas e dos acordos celebrados em seu benefício. “Cerca de um terço dos autores individuais, no início de 2019, já havia ajuizado sua própria ação judicial no Brasil. Naquela época, 19.542 autores declararam que seus processos já haviam sido concluídos. No início de 2019, mais de três quartos dos por volta de 202.600 Autores (precisamente 154.766) disseram que já haviam recebido pagamentos da Renova ou ajuizado suas próprias ações no Brasil. Como observado, todos os autores também se beneficiarão das decisões em andamento nas Ações Civis Públicas perante a 12º Vara Federal de Belo Horizonte”.