“(…) E o aluno não saiu para estudar
Pois sabia o professor também não ‘tava’ lá
E o professor não saiu pra lecionar
Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar
No dia em que a Terra parou, oh oh oh oh (…)”
Compositores: Claudio Roberto Andrade De Azeredo / Raul Seixas
Excerto da Letra de O Dia Em Que a Terra Parou
No início do ano letivo de 2020, as aulas foram suspensas nas escolas de educação básica de todo o Brasil em função da pandemia do novo coronavírus. Num instante, o que até então era apenas devaneio de poeta, parecia se tornar realidade. Passado o impacto inicial e percebido que a nova realidade poderia durar muito mais tempo do que o imaginado, buscaram-se alternativas para a continuidade das aulas e para que, de alguma forma, as crianças não perdessem o ritmo dos estudos.
A situação inusitada do isolamento social e o fechamento das escolas trouxe tensões diversas entre todos os sujeitos envolvidos com a educação básica. A urgência do calendário escolar fez com que as mantenedoras (secretarias de educação) vinculassem estudantes e professores a um sistema de aulas gravadas, com registros de presenças e de entrega de tarefas e notas, mesmo sabendo que nem todos tinham computadores, nem acesso à internet. Vivenciar o ensino e aprendizagem por meio de recursos tecnológicos sem ter os equipamentos necessários, sem preparo ou instrução clara sobre a operacionalidade do processo e, sem reflexão pedagógica sobre a nova realidade, repercutiu de forma dramática.
Imediatamente, um sem número de problemas, críticas e desconfortos surgiram. Para os professores que sempre estiveram em sala de aula e, de uma hora para outra, tinham que ensinar por meio remoto o impacto foi maior. A pouca lida cotidiana com os recursos tecnológicos e as inconsistências do funcionamento do sistema geravam muito estresse o que resultou numa reação negativa imediata ao que se imaginava, naquele momento, se tratar de educação a distância. De outro lado, a sociedade em geral ficou também insatisfeita com a descontinuidade, a falta de organicidade e até alguns exageros propostos como tarefas e compromissos estudantis às crianças, também levando a críticas ao ensino a distância. Mas, afinal, o que começou a se configurar naquele momento pode ser chamado de educação a distância? A modalidade a distância é, tão somente a transposição das aulas presenciais para plataformas de comunicação a distância?
É preciso enfrentar essa discussão e esclarecer alguns pontos nebulosos a respeito do momento de exceção que se vive e da natureza da educação a distância.
A pandemia e o isolamento social obrigaram a se pensar em formas alternativas de dar continuidade ao ensino e aprendizagem escolar. As formas colocadas em prática, ainda que usem ferramentas tecnológicas também utilizadas em cursos no formato de educação a distância, estão longe de se configurar como tal.
Montar às pressas um sistema de vinculação de alunos e professores a uma plataforma digital, gravar algumas aulas expositivas e disponibilizá-las, junto a tarefas a serem realizadas pelos estudantes e corrigidas pelos professores, não configura uma proposta consistente de educação a distância, mas apenas um recurso emergencial, para um momento específico. O que se oferece hoje aos estudantes da educação básica em termos de ensino remoto não tem um projeto pedagógico refletido e definido coletivamente. No formato proposto, a interação com os alunos é baixa e, mesmo quando ocorre, nem sempre se dá com as turmas reunidas.
Nas aulas remotas não há, ainda, uma cultura desenvolvida para o improviso, para a exploração de pergunta inesperada, para o compartilhamento da participação, de modo a não prejudicar a otimização do tempo da aula, sem prejuízo da sistematização das ideias. O padrão de comportamento durante a interação a distância ainda precisa ser normatizado. Tudo isso, nas aulas presenciais, o professor domina com conforto e tranquilidade. Porém, nas aulas remotas a dinâmica é diferente e, o papel do professor tem sido mais burocrático e menos didático. Talvez por tudo isso e muito mais, tanta angústia e descontentamento as aulas remotas têm gerado. Mas é preciso firmar que todos os conflitos e problemas surgidos nesse contexto não podem servir de argumento para desqualificar a modalidade de educação a distância.
Em defesa da EaD, em primeiro lugar, cabe lembrar que tradicionalmente ela vem sendo direcionada para o público adulto e, em especial, para a profissionalização tardia ou em locais com pouca oferta presencial, o que democratiza o acesso à formação num país tão extenso e regionalmente diverso como o Brasil. Ainda dessa perspectiva, destaca-se que a EaD não tem sido direcionada para crianças e adolescentes e assim deve continuar. O papel social, político e cultural desempenhado pela escola na formação e desenvolvimento físico, emocional, intelectual dos estudantes da educação básica é fundamental e continua validado pela sociedade. O debate sobre uma educação básica na modalidade EaD não está posto e, caso venha a acontecer, demandará uma ampla discussão que deverá envolver todos os sujeitos da educação.
Em segundo lugar, é preciso reconhecer que a EaD vem ganhando força e espaço no Brasil nas últimas décadas e com isso há um aprofundamento das discussões sobre o formato pedagógico dos cursos à distância. Aspectos como a necessidade de interação entre professor e aluno, em tempo real; a importância de atividades teórico-práticas; aulas ao vivo, com práticas e experiências; atividades avaliativas diversificadas possibilitando a expressão escrita, oral e estimulando as diversas habilidades intelectuais do estudante, estão presentes nos projetos pedagógicos de curso e nos instrumentos de avaliação dos cursos superiores, do ministério da educação.
Por isso, não é correto, nem coerente confundir as aulas remotas oferecidas em tempos de pandemia com um curso de EaD bem estruturado e consolidado em função do tempo que é ofertado e da avaliação obtida pelo ministério da educação. Defende-se aqui a ideia de que educadores e gestores educacionais ampliem a discussão sobre o tema demonstrando a fragilidade dos argumentos que adjetivam negativamente a EaD em função do que está ocorrendo com a escola básica nesse momento histórico. Desse modo, espera-se, os argumentos a respeito da EaD amadureçam, fortaleçam-se e propiciem um debate sério, livre de estereótipos e preconceitos sobre essa modalidade de ensino.
Autora: Maria Eneida Fantin é professora da área de Geociências do Centro Universitário Internacional Uninter.