Por Guilherme Neuenschwander Figueiredo e Igor Sa Gille Wolkoff |
O contexto da relação de emprego é um cenário bastante fértil para se discutir qual o papel do empregador no controle da pandemia da COVID-19, sobretudo se é possível exigir do candidato ao emprego a comprovação da vacinação da Covid-19 quando o imunizante estiver disponível à toda população.Como se sabe a vacina é o único método eficaz no plano médico-científico capaz de guinar o morticínio do vírus, com isto, havendo a vacina e sendo esta certificada e divulgada à população em geral, a recusa de qualquer pessoa em vacinar-se poderá ter consequências na vida civil, inclusive na relação de emprego.E neste caso, a partir do momento em que a vacina estiver amplamente disponível a toda a população brasileira, é perfeitamente possível que as empresas evitem contratar um trabalhador que se recusem em apresentar o atestado de vacinação contra a Covid-19[1]. De fato, considerando o atual estágio de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional[2], parece crível afirmar que o empregador teria o direito de exigir do candidato ao emprego o atestado de vacinação e imunização contra a Covid-19, seja ela definida pelos governos como obrigatória ou não[3].A possível exclusão do futuro empregado certamente distancia-se de qualquer pretensão discriminatória ou ofensiva à dignidade do candidato ao emprego. A resposta é apenas a reafirmação da melhor técnica do sopesamento em casos de conflito entre direitos fundamentais, de modo a privilegiar a vida e ambiente de trabalho saudável, em detrimento de direitos fundamentais outros, como a liberdade de trabalho ou de opinião.[4]Lembre-se, ainda, que o empregador, desde sempre, deveria exigir do empregado a apresentação do atestado das vacinas obrigatórias, especialmente nos casos de doenças infectocontagiosas epidêmicas e na ocorrência de casos de agravo à saúde decorrentes de calamidades públicas (artigo 1º da Lei 6.259/75), notadamente para os empregados na área de saúde (NR 32, item 32.2.4.17).E é claro que a pandemia rememorou a importância da vacinação de toda a população e a obrigatoriedade para o empregador exigir o cartão de vacinação contemplando as vacinas obrigatórias[5] e relevantes no quadro nosológico nacional (artigos 27, caput, e 29 do Decreto 78.231/76).A Portaria 597 do Ministério da Saúde, editado em 2004, reforça a importância da vacinação por meio do Programa Nacional de Imunização, impondo obrigações aos empregados e empregadores, conforme artigo 5º, §§1º e 5º:Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação do atestado de vacinação, nos casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando forem apresentados de forma desatualizada.§ 1º Para efeito de pagamento de salário-família será exigida do segurado a apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II e III desta Portaria. (…)§ 5º. Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria. Bem assim, a própria Lei 13.979/20, a qual dispôs sobre as medidas de enfrentamento da pandemia de Coronavirus instituiu a compulsoriedade da vacinação, em seu artigo 3º, inc. III, alínea “d”, abaixo transcrito:Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)… III – determinação de realização compulsória de:… d) vacinação e outras medidas profiláticas; Não se olvide que é obrigação do empregador e do próprio médico do trabalho coordenador investido no SESMT, exigir a comprovação do Atestado de Vacinação no momento da contratação e antes de iniciada a atividade laboral, incluindo neste caso a Covid-19, até porque seria um contrassenso exigir a Carteira de Vacinação para doenças como a difteria e tétano e não exigir para a Covid-19[6]. É de se esperar do empregador um comportamento precaucionário e em respeito à dignidade da pessoa humana[7], sobretudo para efeito de implementar as medidas profiláticas e terapêuticas extraordinárias pelo tempo necessário à superação da fase mais crítica da pandemia.Estas situações coercitivas do empregador igualmente se justificam aos contratos em plena vigência, cabendo ao empregador regulamentar, por normativas internas, as regras pelos quais poderia exigir dos empregados a comprovação da imunização contra a Covid-19, doravante cabendo penalidades em caso de simples recusa à imunização por ato faltoso, por aplicação analógica ao artigo 158, “a” da CLT (recusa de utilizar EPI).No mesmo trilhar há previsão constitucional quanto ao direito do trabalhador, imposto ao empregador, quanto a exercer sua atividade laboral com “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, inc. XXII, da CRFB), bem como a Convenção nº 155 da OIT – Organização Internacional do Trabalho preleciona o compromisso dos países signatários, como é caso do Brasil, com relações a políticas voltadas à medicina e segurança do trabalho:Art. 4 —…2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho. Ao fim e ao cabo o que se espera é garantir a proteção dos trabalhadores, decisão sempre pautada na racionalidade e constituída nos meios mais eficientes para os devidos fins (RAWLS[8]), garantindo, assim, a saúde do maior número possível de trabalhadores no período de calamidade pública.Importante ponderar-se que tais medidas acima dispostas somente seriam possíveis quando houver disponibilização das vacinas existentes para combate à pandemia à toda população, caso contrário estar-se-ia abrindo a possibilidade de injustiças aos trabalhadores que sequer possuem a opção de vacinar-se ou não.Por fim, também importante pontuar que a restrição para a contratação exposta no presente artigo não possui respaldo jurídico expresso e taxativo, por não haver legislação brasileira que torne a vacinação obrigatória.E levando-se em consideração o tema polêmico, que pode se espraiar no âmbito da liberdade individual e dignidade da pessoa humana em detrimento a toda coletividade, não há uma alternativa fácil, cabendo ao empregador atuar de forma cautelosa e de acordo com cada caso, e dependendo de sua aptidão na assunção de riscos. Autores: Guilherme Neuenschwander Figueiredo é advogado atuante na área trabalhista e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas coordenando a Unidade de Belo Horizonte. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie e é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autonôma de Lisboa “Luis de Camões”. E-mail: guilherme@castroneves.com.br Igor Sa Gille Wolkoff é advogado atuante nas áreas trabalhista e empresarial e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas coordenando a Unidade de Campinas. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes e MBA em Direito Empresarial pela FGV E-mail: igor@castroneves.com.br [1] Exemplo da declaração da presidente do Comitê Econômico e Social Europeu (CESE), comitê consultivo da união Europeia, Christa Schweng, ao dizer que: “evidentemente es posible que las empresas eviten contratar a un trabajador si no quiere vacunarse contra la covid-19”.[2] Importante salientar que o STF, em 30 de dezembro de 2020 estendeu a vigência de dispositivos da Lei 13.979/2020 que estabelecem medidas sanitárias para combater à pandemia da Covid-19. A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6625.[3] O STF considerou constitucional exigir para o combate da Covid-19, ao esclarecer: “a previsão de vacinação compulsória contra a Covid-19, determinada na Lei 13.979/2020, não seria sequer necessária, porquanto a legislação sanitária, em particular a Lei 6.259/1975 (arts. 3º e 5º), já contempla a possibilidade da imunização com caráter obrigatório. De toda a sorte, entendo que o mais recente diploma normativo, embora não traga nenhuma inovação nessa matéria, representa um reforço às regras sanitárias preexistentes, diante dos inusitados desafios colocados pela pandemia.” (ADI 6.586).[4] A característica de prevalência do caráter preventivo de proteção da coletividade, vedada a discriminação, também é possível aferir no Código do Trabalho em Portugal, vide artigo 19º, item I, declara que: “Para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação” (sem grifos no original). [5] Não somente os Civis são obrigados a vacinação, mas igualmente os Militares, conforme Portaria recente do Comando Militar, conforme Portaria Normativa Nº 94/GM-MD, DE 4 de novembro de 2020.[6] Vale citar que no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, do Governo Federal, na página 89, define os grupos prioritários para vacinação, e em certa medida o Executivo Federal reconheceu a obrigatoriedade da Vacina, ao citar que para o grupo de risco: “Deverão receber a vacina COVID-19 em conformidade com as fases predefinidas”.[7] Referência das medidas de proteção da vida e saúde no âmbito da COVID-19 no julgamento da ADPF 672, de lavra do Ministro Alexandre de Morais do STF.[8] RAWLS, John – Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2000. p. 15. |
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