A parteira da região foi chamada às pressas, era uma mulher gorda, pele preta, os conhecimentos que detinha em sua cabeça, já repleta de cabelos brancos, fios ondulados que ela escondia com a ajuda de um lenço, deixariam qualquer bacharel formado em Coimbra com grande inveja. Comadre Benedita, como era chamada, nascera ainda no reinado de D. Pedro II, não que lembrasse muito dos anos áureos daquele governo, seus pais era negros libertos que trabalhavam para a família imperial, enquanto brincava pelos jardins mal cuidados do paço era comum encontrar Pedro, com sua proeminente pança e sua barba branca, indo e vindo da biblioteca real. Não fosse o golpe poderia ter se educado na capital, mas seu pai, monarquista fervoroso, não aceitou a república, partiu com sua família para o interior, com o pouco dinheiro que tinha comprou terra em Guarapiranga.
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Hoje Benedita vivia sozinha, não era filha única, mas vivia sozinha, afinal era o que o destino lhe reservava, tinha que cuidar dos pais idosos, já morreram a muito tempo, o pai não morreu de desgosto pela república, não precisou, a doença lhe pegou antes. Já sua mãe vivera bastante, forte, ainda trabalhava na roça com suas pernas finas e suas rugas ao rosto. Benedita aprendera tudo que sabia com sua mãe e seu pai, ambos tinham sonhos, porém a quase metade da vida vivendo como escravos o impediram de realizar, Benedita queria ser inteligente, só isso, tornou-se. Se andasse junto a ela pela estrada que leva a Pinheiros Altos e perguntasse para que servia qualquer planta, ela lhe responderia.
Arruda para sarna, piolho, hemorroida, vermes; Barba de Bode para diarreia, infecção de rins, bexiga, febre; Capeba para bronquite, caxumba, vesícula, inchação. Sabia de tudo aquela mulher, nunca havia curado cegueira porque nenhum cego havia ainda a procurado. Era uma mulher requisitada por sua sabedoria, uma fila aparecia todos os dias as portas da sua casa, mas, por mais pessoas que lá aparecessem, caso uma criança viesse doente para seus cuidados, ela dava prioridade ao anjinho, como gostava de chamar as crianças. Gostaria de ser mãe, mas nunca o foi, talvez por isso gostasse tanto de crianças.
As crianças chamavam-na de vó, naquela idade que tinha, era a mais pura felicidade para ela, sorria sempre que escutava o apelido, enquanto dava um doce que havia feito. De seus irmãos, um mudou-se para São Paulo, outro foi-se para o Sul, e a outra casou-se, dizem ter parado nos Estados Unidos, nunca a visitavam, não mandavam notícias, nada, por isso, por mais que fosse requisitada a todo momento, sentia-se sé, sempre almejou uma família, não tinha.
Quando sua mãe faleceu, com seus já muitos anos, de velhice, já que todas as doenças que tinha, Benedita curava com ardor, a solidão lhe apareceu. Enterrou a mãe sozinha, os outros filhos não apareceram, mandaram cartas, isso sim, repletas de desculpas, e, também, era aquela a última carta.
Havia acabado de iniciar o bordado, o dia começara com seu desjejum comum, broa de milho adoçada com rapadura e um copo cheio de um café bem preto, que ela mesma plantava, colhia, torrava e moía, lia o jornal, era a única pessoa daquela região a quem o jornaleiro entregava, já que era a única que sabia ler, lia algumas notícias sobre o presidente da república, que ela nem fazia questão de guardar o nome, era sempre um coronel qualquer, e depois de lido, começou seu trabalho árduo com a agulha. Chegaram esbaforidas em sua casa duas mulheres, eram também bem gordas como era Benedita, desciam da carroça a tropeços, o homem que conduzia era mal humorado, fumava um cigarro de palha e como uma chaminé soltava fumaça para cima. Desesperadas chamam Benedita, que aparece na janela, não consegue nem chama-las para um café, já é recebida com um grito.