Dificuldade de acesso a serviços no interior também foi destacada como ponto fraco nas políticas mineiras.
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Oito mulheres são agredidas por minuto durante a pandemia de Covid-19 em todo o País. E uma a cada quatro mulheres foram vítimas de algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresentados durante o debate público “15 anos da Lei Maria da Penha: avanços e desafios para assegurar a mulheres e meninas o direito a uma vida sem violência”, realizado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta sexta-feira (6/8/21).
A promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Patrícia Habkouk, também apresentou, na parte da manhã, alguns dados preocupantes com relação à violência contra mulheres jovens: os maiores índices de violência estão sendo verificados entre mulheres de 16 a 24 anos, correspondentes a 35,2% das denúncias em todo o País.
E a violência tem cor: 28,3% das mulheres agredidas são negras, com mulheres pardas ficando em segundo lugar, com 24,6%, o que corresponde, no total, a mais de 50% das denúncias.
A promotora destacou, ainda, que 32,8% das mulheres não tomam atitude nenhuma no sentido de formalizar denúncia contra o seu agressor, resolvendo sozinhas o episódio de violência que sofreram. E a dificuldade de garantir autonomia financeira é o ponto mais destacado pelas mulheres como fator de vulnerabilidade à violência durante a pandemia, sendo que 25,1% delas perderam o emprego ou ficaram impossibilitadas de trabalhar para garantir renda própria. Cultura machista agrava situação da violência contra a mulher em Minas
Com relação ao cenário mineiro, Patrícia destacou que a realidade das mulheres do interior é muito diferente daquelas que moram na Região Metropolitana de Belo Horizonte, sendo difícil o acesso aos serviços da rede de atendimento.
“Mesmo sem as delegacias especializadas, precisamos avançar. A família mineira é machista, apegada a valores religiosos, preocupada com a honra e as aparências. A violência contra a mulher é fundada em convicções culturais. E dentro desse cenário que precisamos interferir. A ideia da Cartilha impressa do Sempre Vivas de Serviços de Atendimento à Mulher é um material educativo fundamental dentro desse contexto”, pontuou.
Homens – A promotora também manifestou preocupação com a falta de envolvimento e interesse dos homens nesse debate.
“A violência contra a mulher é um problema de toda a sociedade. Nesse sentido, o encaminhamento dos homens aos grupos reflexivos é fundamental, eles precisam ter ciência de que estão errando, mudar e atuar como agentes de mudança também. Mas infelizmente o acesso a esses grupos não é uma realidade em todo o Estado. Precisamos de mais grupos; de atendimento melhor para as mulheres, que não as revitimize; e dos serviços disponíveis todos num lugar físico só em cada município, pro atendimento integral a elas não ser dificultado”, completou.
Mais de um milhão de processos em Minas GeraisSaiba mais
Apesar de todos os esforços em andamento, a violência contra a mulher já ganhou ares de pandemia. Em Minas Gerais, nos 15 anos de vigência da Lei Maria da Penha foram instaurados 1.142.478 processos desse tipo, com a expedição de 250.438 medidas protetivas, conforme dados do Sistema de Informações Estratégicas do Judiciário do Estado de Minas Gerais (Sijud).
Os números foram apresentados pela superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a desembargadora Ana Paula Nannetti Caixeta. Ela destacou todas as ações em curso no âmbito do Poder Judiciário para tentar combater o problema, mas reconheceu que, apesar de toda a previsão legal representada tanto pela Constituição Federal quanto pela Lei Maria da Penha, ainda há muito por fazer.
Em sua apresentação, a desembargadora ainda destacou que somente em Belo Horizonte, nos quatro juizados especializados existentes, há atualmente aproximadamente 2 mil medidas protetivas ainda em vigor. Nas 298 comarcas do Estado em que não há uma vara especializada, por padrão cabe sempre ao titular da 2ª Vara Criminal atuar nos casos de violência contra a mulher e expedir a medida, caso julgue necessário.
“Nos 15 anos da Lei Maria da Penha, a conclusão é de que os poderes e as instituições que podem atuar no problema ainda têm o desafio de estar mais próximos. Mas já podemos ver uma luz no fim do túnel”, aponta. “A omissão mata, o silêncio mata e a invisibilidade também mata”, pontuou a delegada Ingrid Miranda – Foto:Clarissa Barçante
Segundo a delegada Ingrid Estevam Silva Miranda, que integra o Núcleo Especializado de Investigação de Crimes de Feminicídios do Departamento Estadual de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil, a violência contra a mulher tem uma dimensão ainda maior de responsabilização, envolvendo em conjunto Estado, família, mídia e sociedade.
“Quando uma mulher é morta, toda uma estrututa maior a está matando. A omissão mata, o silêncio mata e a invisibilidade também mata. Em cerca de 90% dos casos de feminicídio as vítimas não tinham medida protetiva. E as medidas protetivas que a Lei Maria da Penha trouxe realmente salvam vidas”, afirmou Ingrid Miranda.
Depoimentos – Ao longo das discussões, representantes das várias regiões do Estado fizeram depoimentos sobre a situação da violência contra a mulher. Vítima desse problema em 2008, apenas dois anos após o início da vigência da Lei Maria da Penha, Lívia Soares do Nascimento conta que a repercussão após finalmente contar sua história nas redes sociais, em 2017, a levou a criar o Instituto Somos Todos por Uma.
Desde então, o instituto já apoiou mais de 400 mulheres em situação semelhante em toda região do Vale do Rio Doce. Moradora de Caratinga, Lívia conta ter conseguido articular uma rede de apoio para essas vítimas, unindo autoridades e sociedade civil. Mas, perseguida agora pelo agressor de umas das mulheres que ajudou, ela sugeriu às deputadas a elaboração de um projeto de lei que extenda a medida protetiva às pessoas envolvidas nessa rede de apoio.
Deputadas manifestam preocupação com a realidade no interior Cartilha do Sempre Vivas, projeto da ALMG, foi destacada como importante medida informativa – Foto:Clarissa Barçante
Presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) pediu que o governo de Minas implemente a Lei 23.680, de 2020, oriunda de projeto de sua autoria, que cria o banco de empregos para mulheres vítimas de violência.
Durante o Assembleia Fiscaliza, a Secretária de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Elizabeth Jucá, havia informado que o programa “Banco de Empregos – A vez delas”, a ser lançado em novembro, é fruto da regulamentação da mencionada lei.
“A falta de oportunidades no mercado de trabalho mantém muitas mulheres em situações de violência. Em Minas Gerais, já foram registrados, em 2021, 440 casos de violência doméstica, único crime que aumentou do ano passado pra cá. Nos preocupa muito essa realidade, acentuada em função da pandemia”, disse Ana Paula Siqueira.
Ela ainda destacou o avanço representado pela Lei federal 14.188, de 2021, que incluiu no Código Penal a violência psicológica contra a mulher. “As mulheres passam por muita dificuldade para caracterizar esse tipo de crime. Mas, além das multas e reclusão, a simples existência dessa lei já traz a importante mensagem de que existem muitos tipos de violência e que todos precisam ser combatidos e punidos”, reforçou.
A deputada Andréia de Jesus (Psol) destacou que a legislação brasileira foi escrita por homens brancos e o estado é, por consequência, patriarcal e racista, trabalhando sempre para manter as mulheres submissas e a violência contínua.
“É uma violência estrutural, por isso não podemos discutir isso no campo privado. Toda violência contra a mulher é uma escolha política. É um instrumento de controle dos nossos corpos. Inclusive estamos vendo uma ampliação de ataques a mulheres nos espaços políticos, para sermos impedidas de avançar. Fundamental sabermos quem matou Marielle Franco. E temos mulheres em aldeias e quilombos também lutando pelos seus territórios. A Sedese fecha os olhos para muitas denúncias que fazemos. E as redes de proteção estão concentradas nos grandes centros urbanos”.
A deputada Leninha (PT) deu destaque a feminicídios ocorridos recentemente em cidades do Norte de Minas, especificamente Pirapora, Coração de Jesus e Monte Azul. Ela também destacou que na cidade de Buritizeiro o índice de violência contra mulheres é alto e é um desafio efetivar o acesso a políticas públicas no interior de Minas.
“A falta de trabalho prejudica muito que elas saiam dessa situação. E ao contrário do que o nosso governador afirmou, não é da natureza do ser humano agredir pessoas. Não é natural uma mulher ser morta por ser mulher. Como parlamentares, é fundamental pensarmos em soluções e não desanimar. E uma parte fundamental disso é a mobilização das mulheres nas várias regiões do Estado”.Fonte: ALMG