Audiência da Comissão de Agropecuária foi ponto de partida de mobilização nacional pela valorização do produto.
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Viabilizar um modelo de inspeção sanitária válido em todo o país, mais justo e que atenda aos parâmetros de produção de queijos e outros produtos artesanais. Este foi o principal desafio colocado nesta terça-feira (14/9/21) pelos participantes da audiência pública da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) destinada a debater os problemas da cadeia produtiva do queijo artesanal mineiro, que é símbolo histórico de Minas Gerais.
O debate atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Delegado Heli Grilo (PSL). Segundo ele, os próximos passos dessa mobilização em prol de uma legislação mais compreensiva com os pequenos produtores artesanais de queijo serão a mobilização da bancada federal mineira no Congresso Nacional e, paralelamente, das demais assembleias legislativas do país, por meio de suas comissões de agropecuária, para que elas também acionem suas bancadas em Brasília. A ideia é que também seja formulado um manifesto nacional pela causa.
“Essa é uma bandeira antiga da Comissão e não podemos ficar mais sem uma solução definitiva. É impressionante que um produto de qualidade reconhecida em todo o país e cada vez mais no mundo tenha dificuldade até mesmo de sair do Estado de forma legal”, aponta o deputado. “O queijo industrial é feito de queijo pasteurizado, enquanto o queijo artesanal é de leite cru, então a fiscalização tem que ser diferente”, completa.
Em linhas gerais, como fiscalização sanitária não tem uma lei específica para o produto artesanal, ela se reporta à lei de inspeção da indústria. Entre as consequências disso, segundo avaliação da maioria dos participantes da audiência, está a manutenção dos produtores de queijo artesanal na marginalidade, alguns deles com o conhecimento acumulado de gerações. A estimativa é de que Minas Gerais possua em torno de 30 mil queijarias, a maioria delas em pequenas propriedades, e apenas pouco mais de 200 regularizadas.
“A legislação atual atende o lobby da indústria, mas o pequeno produtor mineiro de queijo tem inspirado o Brasil inteiro e já está incomodando”, avaliou o deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB). Além dele, vários outros deputados participaram da audiência e apoiaram a mobilização proposta pela Comissão de Agropecuária.
É o caso dos deputados Bosco (Avante), Guilherme da Cunha (Novo), Carlos Pimenta (PDT) e Coronel Henrique (PSL). Este último, vice-presidente da Comissão, elogiou o zelo da fiscalização sanitária, sobretudo para garantir a sanidade do rebanho, mas considerou ser mesmo necessário aprimorar a legislação.
França – Uma comparação feita por vários dos participantes da audiência foi entre a situação vivida pelos produtores mineiros com seus colegas do país que é referência mundial na produção de queijos artesanais, a França. Produzidos de forma semelhante, os queijos franceses são conhecidos, comercializados e altamente valorizados no mundo inteiro. A maioria dos queijos artesanais mineiros não podem sequer ser comercializados fora de Minas Gerais.
Curiosamente, um dos participantes da audiência foi o produtor de queijo artesanal de Piumhi (Centro-Oeste), na região da Serra da Canastra, Sérgio de Paula Alves, recentemente premiado com uma das medalhas de superouro na edição 2021 do Mundial da França. A competição reuniu 940 queijos de 46 países, 183 deles brasileiros, que levaram 57 medalhas, sendo cinco superouros. Apesar do prêmio, o queijo premiado, do tipo vulgarmente conhecido como “mofado”, não pode ser comercializado fora do Estado.
“O queijo mofado não tem ainda regulamentação, mas o Brasil inteiro já come meu queijo. Infelizmente, não sou eu que o vendo, mas gostaria de fazer isso, e de forma legal. Já enviei amostras, inclusive escolho as mais mofadas, para várias universidades e nunca acharam nenhum problema”, questionou. Mais conhecido como “Serjão”, o produtor premiado lembrou que as dezenas de prêmios já obtidos por seu produto falam por si, entre elas o bronze no Mundial da França de 2019.
Produtores defendem que produto é seguro desde a Pré-História
Reconhecido como uma das maiores lideranças dos produtores de queijo artesanal do Estado, coube ao presidente da Associação Mineira de Queijo Artesanal e da Associação dos Produtores de Queijo Canastra, João Carlos Leite, fazer um histórico da origem da produção de queijos no mundo e no Brasil e os principais entraves da legislação.
O produto, segundo ele, remonta há mais de 10 mil anos, estando intimamente ligado à transição do homem de caçadores e coletores para agricultores, sendo essencialmente feito do mesmo modo, com leite cru, até 1860, quando foi inventado o sistema de pasteurização em meio à Revolução Industrial. Segundo ele, o queijo artesanal passou a ser marginalizado a partir de 1950, por imposição do sistema sanitário norte-americano, que emergiu como potência dominante após a Segunda Guerra Mundial.
“Pensando nos próprios interesses da sua indústria, os Estados Unidos forçaram a substituição dos produtos agroartesanais pelos agroindustriais, mas a Europa nunca aceitou isso. Então, aqui no Brasil, veio a Lei Federal 1.283, de 1950 (sobre inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal), e sua regulamentação e, do dia para a noite, a produção de queijos artesanais passou a ser ilegal”, lamentou João Carlos.
De acordo com ele, mais do que essa lei federal e outras que foram sendo editadas ao longo dos anos, o maior vilão atualmente é o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), que remonta a 1965 e, apesar de receber atualizações, continua sendo bastante restritivo. E, apesar de esforços feitos também no âmbito da ALMG, a legislação federal se sobrepõe à estadual.
“Temos demanda por nossos queijos no mundo inteiro e não podemos exportar. Precisamos é de um Riispoart, uma legislação federal de inspeção sanitária compatível com nossa realidade ou daqui a 20 anos ainda estaremos aqui discutindo os mesmos problemas”, completou.
Na avaliação dele, os parâmetros de tolerância microbiológicos europeus para queijos artesanais são centenas de vezes maiores do que os aplicados no Brasil, o que imputam uma imagem de que o produto mineiro pode ser nocivo à saúde, o que não corresponderia à realidade. “Aprendi com os franceses que não damos valor a nossa história. Nossos queijos não tem microtoxinas, todo mundo pode comer e não morre”, ironizou.
Seapa – A secretária de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Ana Maria Soares Valentini, elencou diversas ações do Executivo em apoio aos produtos agroartesanais, em especial de queijo. Entre elas, está o estímulo a pesquisas que vão sustentar a defesa da sanidade do queijo mineiro. Contudo, ela defendeu a validade de uma ação mais efetiva em vigilância sanitária porque a flexibilização da comercialização sem critérios deixaria os produtores sem qualquer estímulo para buscar a regularização.
O gerente de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), André Almeida Santos Duch, também defendeu a importância da fiscalização. “Sei que o sistema ainda é burocrático. Sou oriundo de uma família de produtores de queijo na região do Serro, onde está a maior parte dos produtores regularizados, e não podemos minimizar a conquista de quem já está legalizado”, destacou. Fonte: ALMG.