CINCO ANOS SEM O EX-PREFEITO ROQUE CAMÊLLO “UM ANJO QUE VOOU PARA O CÉU”

    Por: Merania Oliveira

    Há 5 ano, Roque voltou à Casa do Pai, em 18 março de 2017. Homem de fé inabalável, de orações diárias, conhecia e vivia a Palavra de Deus. Amava profundamente a Igreja, sua família, seus amigos, Mariana e o Brasil.
    Possuidor de um senso de honestidade à toda prova, tinha horror a prejudicar ou dar prejuízo a quem quer que seja e lutava para que houvesse justiça.

    Exemplo disso deu-se quando seu pai, Sr. Catinho, apelido de Torquatro, foi desapropriado pela CEMIG. Ao receber o dinheiro, entregou-o a Roque para que tomasse conta daquele patrimônio. Roque assim o fez, abrindo uma caderneta de poupança para custear as despesas com a saúde de seu genitor. Sempre que o pai se consultava, o filho depositava-lhe mais uma contribuição e nunca retirava nada daquela poupança.

    Os anos se passaram, Sr. Catinho faleceu. Ninguém sabia daquela poupança, declarada no imposto de renda de Roque. Quando da abertura do inventário, comunicou aos irmãos a existência do dinheiro, que não seria dividido somente entre eles: incluiria, entre os herdeiros, Maria e Efigênia, suas irmãs de criação.
    Quando ainda universitário, com outros jovens, Roque criou, em Mariana, a “Terceira Força” e com eles fundou o Partido Democrata Cristão – PDC. Roque escreveu no artigo A LIBERDADE E A JUSTIÇA: “PDC, partido formado de jovens oriundos de ambos os lados (PSD e UDN) decidiram mudar o curso de águas praticamente paralisadas e imprestáveis. Fazia-se urgente oxigená-las e torná-las saudáveis e correndo para o futuro. Não se pretendia desprezar o passado. Pelo contrário, deixá-lo visível e respeitado porque é, no chão do passado, que as raízes se ocultam e assimilam a vida, enquanto o futuro depende essencialmente desse chão.

    As bandeiras dos jovens, ou seja, da “Terceira Força”, eram a implantação da CEMIG, a moralização das eleições, a criação do 2º Grau nas escolas, um novo hospital, asfaltamento da estrada para Belo Horizonte e Ponte Nova, construção de praças esportivas, além de outras reivindicações”.
    Eleito vereador, perseguição a Roque era tão grande que foi emancipado com urgência pelo pai para tomar posse, pois, a oposição havia entrado com um pedido de impedimento do ato por ele não ser maior de idade. Atuante que era, Roque, mesmo sendo universitário e trabalhando para se manter em Belo Horizonte e não sendo remunerado para exercer o cargo ia todos os finais de semana a Mariana.

    As reuniões eram aos sábados, quando ele partia da Capital para Mariana, de trem, pagando suas próprias passagens.
    Quando estava próximo do final do mandato, sua mãe o chamou e lhe disse: “Meu filho, termine seus estudos, vá ganhar a vida primeiro, para você ser independente financeiramente e culturalmente, para depois entrar para política”. Roque lhe obedeceu.
    CASA DE CULTURA-ACADEMIA MARIANENSE DE LETRAS – Sobre ela Roque escreveu no livro “MARIANA: ASSIM NASCERAM MINAS GERAIS”: “É uma tribuna livre e instrumento vigoroso em prol das tradições e do patrimônio histórico, artístico e cultural de Mariana e de Minas Gerais. (….)
    A suntuosa edificação, no século XVIII, foi a Intendência da Capitania, órgão encarregado de fiscalizar e recolher os tributos. Em 1969, o Governador Israel Pinheiro da Silva, atendendo solicitação do Secretário de Governo Raul Bernardo Nelson de Senna, a desapropriou para a Academia Marianense de Letras, escreveu Roque.
    Esta desapropriação foi uma das grandes lutas do Roque em prol de Mariana. O prédio estava quase desabando.

    Então, solicitou ao seu parente, Raul Bernardo que ajudasse a terra de seus antepassados a salvar um prédio tão belo e importante para a História. Continuo Roque em seu livro: “O termo Casa de Cultura associado à Academia foi assim pioneiro desde sua fundação e passou a ser usado em muitos outros municípios.
    Esta instituição tem sido, ao longo desses 53 anos de existência, uma verdadeira agência promotora de cultura e de realizações em benefício de Mariana e de Minas Gerais. Destacam-se a criação do DIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (16 de julho), a construção da Estrada de Contorno da cidade para salvar do trânsito pesado os monumentos urbanos e a implantação das Agências do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, com o que o município melhorou sua infraestrutura em benefício das atividades econômicas.
    Em 1984, a Academia promoveu com a Secretaria de Estado de Minas e Energia um proveitoso encontro das principais cidades mineradoras, motivada pelo fato de que todas as Cidades Históricas dependiam da atividade minerária. Com esses exemplos concretos se comprova que a Cultura pode e deve ser também um agente do desenvolvimento para o bem da comunidade.


    Procura também resgatar a história de pessoas que contribuíram para o desenvolvimento brasileiro como a marianense Dona Joaquina de Pompéu, nascida em 20 de agosto de 1752. Matriarca e líder do Centro Oeste Mineiro figura nos anais da História não só por sua ação desenvolvimentista daquela região, mas também por seu apoio disponibilizando alimentos para a Família Real e os milhares egressos da Corte nos seus primeiros momentos no Rio de Janeiro em 1808. Partidária da Independência do Brasil, colaborou com Dom Pedro I, doando víveres aos militares enviados à Bahia para sufocar o movimento contrário ao 7 de setembro de 1822.
    A Academia traz sempre à memoria personalidades que passaram pelo vetusto Seminário de Mariana como Francisco de Paula Cândido que se formou, em 1832, na Faculdade de Medicina de Paris. Retornando ao Brasil, foi importante sanitarista, professor da Escola de Medicina do Rio de Janeiro ao mesmo tempo em que lecionou para as Princesas Isabel e Leopoldina, filhas do Imperador Dom Pedro II. Foi também Conselheiro do Império e Deputado Geral por Minas em várias legislaturas. Presidiu a Academia Imperial de Medicina e integrou como membro efetivo o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Deixou obras científicas e literárias. Sua cidade natal, Paula Cândido, tem este nome em sua homenagem. Ele era tio bisavô do Roque e do Dr. Raul Bernardo Nelson de Senna.
    As cadeiras acadêmicas foram e continuam ocupadas por personalidades do mundo cultural, duas das quais Presidentes da República, Pedro Aleixo (posse em 1962) e Tancredo Neves (posse em 1984). Assim terminou sua fala sobre a Academia.


    Roque e eu tivemos quase 32 anos de convivência com profunda amizade, cumplicidade, amor, respeito, momentos difíceis e alegres. Estar ao seu lado era o que mais me alegrava.
    Em meus momentos de escuridão espiritual, como dizia Madre Tereza de Calcutá, Roque foi meu porto seguro. Conversávamos durante horas e ele muito me ajudou. São inúmeros os seus gestos e atitudes que me encantavam.
    Gostava de viajar, tanto para a Europa quanto para conhecer os lugares mais simples do nosso país. Colecionava livros sobre a história das cidades. Era a primeira coisa que perguntava quando chegávamos a qualquer lugar: “O que posso comprar que conta a história deste local?”. Em viagens internacionais, gostava de usar um boton do Brasil em sua roupa e sempre tinha outro para mim. Quando alugávamos um carro, imediatamente colocava uma bandeirinha do Brasil no veículo. Na época da Copa de 1998, Roque estava quase fechando um excelente negócio com a venda de uma área próxima ao centro de Belo Horizonte para um empresário da educação, que tinha pressa para instalar ali uma universidade. Não poderia viajar para que tudo desse certo. Porém, após os dois primeiros jogos vitoriosos do Brasil, tomou uma decisão: “Não farei este negócio que tanto me agrada, copa do mundo na França, terei somente esta oportunidade. Tenho mais do que preciso. Como ainda não dei minha palavra sobre a venda, desistirei do negócio. Já que você está de férias prêmio, vamos assistir à copa. Perdemos somente dois jogos. O Brasil vai à final. Quero participar dos carnavais de comemoração das vitórias brasileiras na Champs-Elysée, e após a Copa faremos o Caminho de Santiago de carro, vamos a Lisboa visitarmos a Expo 98 e rezarmos no Santuário de Fátima para agradecermos tantas bênçãos recebidas. Foi uma decisão que tomei e acho que muito lhe agrada”.
    O empresário fez-lhe, então, uma oferta melhor, pois, precisava comprar aquele terreno. Roque delicadamente lhe respondeu: “Sinto muito. O senhor tem muita urgência em comprar o terreno, e só retornarei daqui a uns 60 dias. Já trabalhei muito na vida, agora é o momento de eu usufruir”. Embora o Brasil tenha perdido a Copa, foram momentos inesquecíveis as viagens pela França para assistirmos aos jogos, os novos amigos – que agora se tornaram velhos – que fizemos, além de uma viagem maravilhosa pela Espanha e Portugal. Ótimo ouvinte, avesso a contar vantagens, tratava todas as pessoas como iguais. Preocupado com o ensino da gramática, uma das coisas que mais o chateava era saber que já não ensinam análise sintática nas aulas de Português. “Isto é inadmissível: o declínio de um povo é quando professores já não sabem mais falar corretamente sua própria língua para ensinar aos alunos. Sei que a Língua é viva, está sempre mudando, mas o ensino da gramática é fundamental para se preservar um idioma bem escrito”.
    A Associação Universitária Internacional (AUI), entidade pela qual foi bolsista na Universidade de Harvard, era uma das suas grandes paixões. Gostava de estar presentes a todos os Encontros. Mudava seus compromissos para fazer a seleção dos jovens que iriam participar dos Simpósios de Jovens Líderes na TUFTS University, nos EUA. Nas entrevistas, além do bom conteúdo nas conversas, se o candidato cometesse deslizes gramaticais e usasse gírias estava desclassificado. Afirmava: “como pode, domina bem o inglês e não sabe falar sua própria língua. Isto é inadmissível”.
    Roque sempre lembrava que ter sido aluno de Latim do Cônego Mauro de Faria muito o ajudou em sua vida. Tinha uma dívida de gratidão para com a Igreja Católica por lhe ter proporcionado estudar graciosamente no Seminário de Mariana, instituição onde muito aprendeu e que contribuiu para que fosse um cidadão independente, amante da cultura e do belo.
    Brincalhão, gostava de esconder-se para me assustar. Lembro-me de que na primeira vez que visitamos a Acrópole de Atenas, Roque pôs-se por detrás de uma das colunas e ficou me observando, dando boas gargalhadas ao ver-me procurando por ele. Ríamos de nós mesmos e tínhamos um grande respeito mútuo. Como conversarmos, era um projeto seu fundar uma instituição para ajudar o próximo na área cultural e social. Criamos a Associação Instituto Roque Camêllo para cumprir seus desejos e continuar seu trabalho, principalmente com jovens e construirmos a corrente do bem.
    Como viram, fui privilegiada e abençoada pelo convívio com um homem para quem o respeito pelo próximo, a ética, a dignidade, a honestidade e o senso de justiça eram sagrados.
    Para finalizar, peço licença ao Roque para um pequeno plágio, lembrando suas palavras por ocasião do falecimento de uma amiga e prima do coração, muito querida, Marta Torres que faleceu dois meses antes dele: “ A terra lhe era apenas um estágio de santidade que lhe serviu para construir o anjo rumo à merecida Eternidade nas mãos do Pai. O Infinito, invisível a nossos olhos, o esperava carinhosamente e, como a águia serena, se entregou confiante à Misericórdia Divina”. Agradeço a Deus pela oportunidade de ter desfrutado da sua companhia e de seu amor.
    Pela vida que levou, hoje, você está bem pertinho de Deus e, portanto, lembre-se de interceder por nós, porque você, Roque, é um anjo que voou rumo ao Céu.
    Merania Oliveira
    Presidente-executiva do Instituto Roque Camêllo