Se nem os principais atores diretamente envolvidos na negociação para repactuação da reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (Região Central do Estado), sabem quando e em que termos ela será concluída, a conclusão é de que os diretamente atingidos e que mais precisam de assistência estão mesmo é entregues à própria sorte.
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Essa foi a conclusão do segundo painel do debate público realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (22/8/22), justamente para debater o novo acordo que está sendo mediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre os responsáveis pela tragédia, a mineradora Samarco e suas controladoras (Vale e BHP Billiton), e todas as partes afetadas.
Neste painel foram abordados os desafios institucionais, a participação social e o direito à informação no contexto da repactuação da reparação de danos. O debate público, que começou ainda pela manhã, foi solicitado pela deputada Beatriz Cerqueira (PT) com o intuito de tentar impedir que novos termos sejam discutidos novamente sem participação popular.
As críticas a todas as incertezas que cercam o processo deram o tom das declarações tanto dos deputados quanto dos representantes do Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPE), da Defensoria Pública Federal e, ainda, do Governo do Estado.
“Ainda não sabemos se a repactuação, que começou formalmente, mas atrasada, em junho de 2021, será bem ou malsucedida”, admitiu o procurador da República e coordenador da Força Tarefa Rio Doce/Brumadinho pelo MPF, Carlos Bruno Ferreira da Silva.
Segundo o procurador , a chamada repactuação (TAC Governança) já era prevista no acordo firmado originalmente, ainda em março de 2016, quase quatro meses após a tragédia, ocorrida em 5 de novembro de 2015.
Uma avalanche de lama de rejeitos de minério matou 19 pessoas e comprometeu toda a Bacia do Rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo, chegando ao Oceano Atlântico.
Ainda de acordo com Carlos Silva, a repactuação não envolve a rediscussão de valores, mas uma melhor governança das ações para tentar contemplar mais rapidamente o que, até agora, vem sendo reivindicado em milhares de ações que se arrastam na Justiça.
Embora atualmente esteja paralisada, uma ação civil pública ajuizada pelo MPF cobra reparações em torno de R$ 155 bilhões, enquanto a reparação prevista no acordo celebrado pela Fundação Renova (instituída pelas mineradoras para implementar as ações de reparação) pode alcançar o máximo de R$ 30 bilhões, conforme estimou o procurador.
Outra crítica ao processo de repactuação foi quanto ao descumprimento tanto do direito de participação social quanto o ainda mais básico direito à informação. Na visão da defensora pública federal Lígia Rocha, a participação da Defensoria Pública, tanto estaduais (de Minas e do Espírito Santo) quanto da União, não substitui a participação das pessoas em decisões que afetam diretamente suas vidas.
“A repactuação busca frear mais violações de direitos humanos, mas para nós é duro dizer que não está havendo participação social. Ouvir as pessoas é importante, mas ouvir nem sempre é participar. Não apoiamos tal postura”, criticou.
A defensora também reconheceu que a divulgação de informações não é tão linear quanto poderia, mas há o problema de se criar falsas expectativas. Nesse quesito, a presença de assessoria técnica independente nos próprios territórios envolvidos, o que ainda não está acontecendo a contento, poderia amenizar o problema, traduzindo as informações para a população.
Na mesma linha, a coordenadora regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do Rio Doce, promotora Hosana Regina Freitas, lembrou que a própria repactuação tem cláusulas de sigilo que dificultam uma maior transparência.
Contudo, segundo ela, o MPE trabalha em outras frentes, inclusive junto à Fundação Renova, para concretizar outras pautas específicas importantes para os atingidos.
O secretário-adjunto de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), Luis Otávio de Assis, também foi taxativo ao reconhecer que tanto o Executivo estadual quanto as demais instituições participantes estão “absolutamente insatisfeitos com a velocidade e o rumo da reparação no Rio Doce”.
“Nosso dever é escutar a preocupação de todos e prestar contas. Mas é inaceitável a morosidade na implementação das ações”, afirmou. Segundo ele, dados da Renova questionados pelo Executivo apontam 46% de execução das ações, índice que na sua opinião, mesmo que seja real, não é razoável.
“Não podemos precisar quando ela será concluída, mas só assinaremos se tivermos a garantia de que métodos protelatórios não poderão mais ser implementados, como está acontecendo hoje”, concluiu.
O último painel do debate público foi destinado à apresentação de propostas dos atingidos pelo rompimento da barragem em Mariana, com base na reparação que querem. Seis representantes fizeram seus depoimentos e mostraram que os danos pela tragédia continuam ocorrendo e que as famílias prejudicadas ainda se sentem abandonadas.
“A reparação que queremos é uma que dê conta de tudo isso que falamos aqui. É retomar o modo de vida que a gente tinha”, sintetizou Rodrigo Vieira, assessor técnico da regional Minas Gerais da Caritas, assessoria que representa os atingidos de Mariana.
À luz da Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab), Rodrigo Vieira alertou que a reparação integral não se restringe à indenização. É preciso que as empresas criem mecanismos para que novos crimes não aconteçam, que garantam o retorno ao modo de vida anterior ao ocorrido e a participação efetiva dos atingidos em todo o processo de negociação.
Como outros participantes, o assessor lembrou que a cada enchente “o crime se repete”, ao voltar a lama e causar mais danos. A falta de água bruta para manter a produção agrícola e a criação de animais, como era feito pelos moradores antes do rompimento, impede o retorno ao antigo modo de vida e diminui o rendimento das famílias.
Até a escolha das novas casas de modo unilateral pela empresa interefere na cultura dos moradores. “O conceito de casa no distrito de Bento Rodrigues era de roça, com varanda grande e rodeando a construção. A Renova está levando o conceito de apartamento”, exemplificou.
“Ninguém melhor que nós, atingidos, para falar o que sofemos na pele”, complementou Joelma Teixeira, agricultura, pescadora e coordenadora da Comissão de Atingidos de Governador Valadares. Ela reclamou que os moradores da cidade continuam bebendo água do Rio Doce sem saber as consquências que isso pode trazer, já que nunca tiveram acesso a um laudo sobre a qualidade da água.
Os representantes de Conselheiro Pena, Maria Célia Andrade; de Resplendor, Jones Henrique Waguemages, e de Cachoeira Escura (distrito de Belo Oriente), Geraldo Moura, relataram os dramas ainda vividos pelas famílias após o rompimento e as dificuldades que ainda enfrentam para retomar suas atividades. Maria Célia apresentou um pedaço da terra de sua propriedade – que mais parece um bloco de concreto – que era extremamente fértil. “Era a segunda melhor terra do mundo”, lamentou.
Jones contou que a lama continua escorrendo no rio e contaminando as águas e questionouo que será do futuro caso a recuperação do rio não seja concluída. Todos eles pediram indenizações justas e mais amplas e, sobretudo, a participação na construção do novo acordo.
Heiza Maria Dias, coordenadora da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), apresentou outras sugestões que podem melhorar o acordo, como a de ampliar a lista de atingidos, que atualmente só considera aqueles que comprovem por documentos a perda de algo. Heiza lembrou que outros impactos, como a dificuldade de acesso à água e retorno à terra, também precisam ser incluídos.
A deputada Beatriz Cerqueira, que conduziu os debates, afirmou que, sem a efetiva participação dos atingidos, não há repactuação possível. Na opinião da parlamentar, as mineradoras utilizam a postergação do reconhecimento do direito dessas pessoas como forma de provocar cansaço e assumir o controle das negociações. Fonte: ALMG