Projeto ‘’Bomsera”: Restaurando casas históricas centenárias de Ouro Preto

    Por: Eduarda Dias Ribeiro & Mariana Peixoto Valbão

    Alunas do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Disciplina Redação em Jornalismo pelo Professor Felipe Viero Kolinski Machado Mendonça

    Um dos conjuntos arquitetônicos mais importantes do nosso país está localizado em Ouro Preto, MG. Diante disso, o IA – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto, preocupado com a preservação e as características históricas das moradias e o cuidado com a segurança dos moradores, criou o projeto Bom Será no dia 27 de junho de 2022. Com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), foram selecionadas 3 casas dos séculos XVIII e XIX, de famílias de baixa renda, para o restauro completo de suas estruturas.

    Sem fins lucrativos, o IA é um instituto cultural que tem o objetivo voltado para o compromisso social pela forma artística. O projeto também realiza atividades e capacitações educativas abertas à comunidade de forma gratuita e pretende não só entregar as casas restauradas, como também ensinar os moradores a manterem a manutenção ativa e preventiva de suas residências. Os interessados nas oficinas puderam se inscrever no projeto até o dia 1 de agosto.

    Com apoio do Ministério do Turismo e do Instituto Cultural Vale, R$1.400.000,00 foi investido no projeto, que tem duração de seis meses. O valor, no entanto, é compatível com os altos custos de restauro devido às especificações necessárias para cada casa.

    Já o nome “Bomserá” se refere a um dos conjuntos que fazem parte das obras emergenciais integrantes do levantamento do IFMG, de 2019. “A seleção das casas foi feita através do levantamento arquitetônico do IFMG, e é feito há anos pela professora Cristina Simões, arquiteta e a Paola Dias do curso de Conservação e Restauro.”, comentou a presidente do projeto, Bel Gurgel.

    “Bom-será” ou “Bomserá” é uma construção típica do século XVIII, presente nas cidades históricas que fizeram parte do Ciclo do Ouro, em Minas Gerais (Ouro Preto, Mariana, Sabará e Caeté). São edificações de grande valor histórico e a principal característica é o uso de “parede-e-meia” ou “meia-parede”.

    Essas construções foram edificadas encostadas, umas nas outras, a partir de uma única estrutura, divididas entre várias residências. Como diz a tradição, nesses conjuntos, uma

    edificação sustentava a outra, como se as famílias vivessem misturadas. Do desejo de uma convivência harmoniosa surgiu a saudação “Bomserá”, justamente almejando que a convivência fosse boa.

    O levantamento que inspirou o projeto investigou a vida de pessoas que residiam no centro histórico em situação praticamente insalubres. Sobre a escolha das casas a serem restauradas, Bel também contou da precariedade das residências: “Agora que temos o contato com o interior da casa e a avaliação dos profissionais, percebemos que não caiu por um triz”.

    À frente do projeto, ela contou seu interesse pela arte, que foi o que a levou a organizar o processo de restauro das casas. “Maria Isabel do Amaral Gurgel mas todos me chamam de Bel, quando eu entrei nesse mundo da arte, nunca mais saí. A arte me engoliu e nunca mais me soltei.”, disse ela.

    De fato, por se tratar de patrimônio cultural mundialmente conhecido, o cuidado com a estética do interior e exterior das casas era necessário em meio às obras. Assim como as residências históricas do município de Ouro Preto, ambas as fachadas, por exemplo, eram caracterizadas pela ausência de portão, com estilo colonial. Ou seja, janelas e portas típicas do século passado, onde turistas costumam usar como fundo das fotos tiradas pelas cidades tradicionais de Minas Gerais.

    Telhado da casa da Dona Nina – Imagem: Suttanne Hoffmann IA
     

    “O IA surgiu de uma vontade minha de poder ter uma instituição contemporânea que pudesse trabalhar de outra forma que as outras instituições modernistas ou públicas já trabalham com a cultura e com a arte. O instituto é de arte contemporânea, porém não tem como estar em Ouro Preto sem pensar na cidade e foi aí que surgiu o “Bomserá”, explicou Bel.

    Em relação à preparação do IA para suprir as necessidades da comunidade, contribuindo por exemplo, para a formação de jovens e trabalhadores da construção civil através de um programa de bolsa, ela contou melhor sobre o oferecimento de formação para comunidades, para os alunos estudantes de restauração e das pessoas de construção civil, como pedreiros e ajudantes e surpreendeu ao citar a representatividade feminina.

    “Acho fantástico que 70% dos bolsistas atuantes no projeto hoje são mulheres e estão ligadas ao restauro da cidade, além da questão formativa, na obra atuam 30 alunos do ensino fundamental que trabalham aos sábados, pois cada sábado oferecemos oficinas com os jovens gerais dentro da construção civil. Será uma contribuição acadêmica para apoiar os jovens após o ensino fundamental”, disse a presidente do “Bomserá”.

    Suttane Hoffman, uma das fotógrafas do IA, citou seu encargo de registrar todo esse processo de restauro sob outra perspectiva. Com a oportunidade de capturar os detalhes dessas casas tombadas como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, a artista visual revelou a sensação de já ser íntima da cidade e da conexão que sentiu diante das histórias dos moradores contemplados pelo projeto.

    Nos quadros pendurados nas paredes de pau-a-pique que estão sendo restauradas, a religião é exaltada através de imagens santas. A identificação de suas próprias memórias com as características mais simbólicas da casa de dona Nininha, por exemplo, foram citadas pela fotógrafa. Moradora de Ouro Preto desde 2012, ela comentou:

    “Quando você entra nas casas que estão sendo restauradas pelo projeto, você se atenta minuciosamente a cada detalhe e se conecta com eles através das histórias que os moradores contam, que tudo que está ali tem uma história. Quando eu entro na casa da dona Nininha automaticamente me vem memórias da minha infância, ao ver os quadros pendurados e a partir daí me conecto com a história da cidade”.

    Dona Nina, conhecida Nininha e que na verdade se chama Elaine Maria Araújo Sales – a quem ela se refere, é a matriarca de uma das famílias de baixa renda, muito antiga no bairro do Cabeças, próximo à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Aposentada como professora e com 70 anos, ela já precisou inclusive se mudar temporariamente devido ao andamento das obras.

    Ao contatar Efigênia Rosa Camilo, Dona Efigênia, também residente de uma das três casas da mesma rua, nomeada Alvarenga Peixoto, foi possível entender de perto a melhoria significativa que está prestes a se tornar realidade para sua família. Com 95 anos, ela é muito conhecida no bairro e resumiu seu sentimento em uma palavra, por ter sido contemplada: “Felicidade”.

    De acordo com ela, sua residência foi a primeira escolhida pelo projeto. Além disso, questionada sobre as antigas reformas, ela disse: “Nunca se reformou aqui porque a casa tem mais de 100 anos. A minha foi a primeira da rua a ser escolhida”. Com o andamento das obras, a casa já foi organizada de forma que seja mais fácil o restauro dos cômodos. Durante a visita da equipe da reportagem, por exemplo, foi possível constatar que a sala de TV havia sido rebocada recentemente e pairava o cheiro do cimento fresco. Por conta disso, Dona Efigênia tem ficado na casa da filha Luzia, montada como apoio temporariamente, aos fundos da construção centenária.

    Animada pelo resultado do restauro proposto no centro da cidade, ela nos convidou para voltar à sua casa quando tudo estiver pronto. “Voltem aqui, logo vou estar de volta na minha casa restaurada e bonita”. A expectativa é que as obras tenham duração máxima de seis meses. O outro contemplado pelo projeto é o auxiliar de serviços, Alex Garcia, que mora com a sogra.

    Dona Efigênia – Imagem: Lucas de Godoy IA

    A fotógrafa Hoffmann falou também sobre a importância da iniciativa. “A contribuição do projeto para a cidade é de novas perspectivas e histórias, além da experiência para a comunidade através das oficinas. Estou voltando o meu olhar, minha atenção e meu carinho para a comunidade, pois o projeto dá oportunidade para o envolvimento e capacitação da comunidade através das oficinas e bolsas que colabora com a formação acadêmica.”.

    Realizada por participar do projeto, ela analisou a importância da iniciativa a longo prazo. “Trabalhar com o “Bomserá” é muito gratificante, pois de alguma maneira estou ajudando a preservar a memória física e afetiva das casas em forma de fotografia e histórias. Vai ser muito importante daqui uns anos rever as fotos e saber que tive a oportunidade de participar e fazer parte desse projeto tão incrível”, disse.

    Embora o projeto tenha grande impacto sobre a vida dessas famílias, a presidente do “Bomserá” admitiu que é a primeira vez envolvida em algo dessa proporção. Ainda mais porque, segundo ela, o instituto não é especializado no assunto, no entanto, tem se esforçado para entregar o melhor à comunidade ouro-pretana.

    “Nada como a prática para conseguir entender os limites e até onde você pode chegar e tenho pensado muito nisso. Nós somos um instituto de arte contemporânea, não somos um

    instituto de conservação e restauro. E por isso estar ligado em movimentos contemporâneos é um jeito de olhar diferente, isso tem que ficar muito claro, que a IA é arte. E que ele entende a cidade e que gostaria dessa cadeia evolutiva, Ouro Preto não pode ficar parado no passado, o “Bomserá” é cuidado, é viver bem no centro histórico”, finalizou Bel Gurgel.


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