Atuação efetiva das assessorias técnicas só começou há um ano
    Entidades que prestam assessoria técnica criticaram atuação das empresas na reparação dos danos-Foto: Daniel Protzner-ALMG.

    Revelação foi feita por representes de entidades que realizam esse trabalho junto aos atingidos pelo rompimento da barragem em Mariana. 

    Apesar de o rompimento de barragem da Samarco no distrito de Fundão, em Mariana (Central) estar quase completando oito anos, somente há menos de um ano, as assessorias técnicas aos atingidos começaram a atuar de forma mais efetiva. A revelação foi feita em audiência pública da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, nesta quinta-feira (5/10/23), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

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    A coordenadora institucional da Cáritas Diocesana de Itabira (Central), Ana Paula Alves, historiou todo os fatos desde o início do processo judicial ainda em 2015, logo após o rompimento em 5 de novembro.

    Lembrou que o processo foi iniciado extrajudicialmente, com os atingidos defendendo a atuação das assessorias técnicas em seu favor. Mas a Vale, uma das donas da Samarco junto com a BHP Biliton, discordou da proposta de trabalho dessas entidades e judicializou o processo.

    O juiz da causa, segundo ela, limitou o escopo da atuação das assessorias, não permitindo inclusive que estas fizessem coleta de dados junto às comunidades atingidas. Esse quadro só se alterou quando assumiu um novo juiz na causa, já em 2023, que ampliou, como no início do processo, a atuação das assessorias e abriu as portas para ouvir os atingidos.

    Também permitiu que as assessorias entrassem em contato de novo com atingidos, coletando dados para reelaborar os planos de trabalho. Agora, afirmou Ana Paula, um terceiro juiz está à frente do processo e permitiu a homologação judicial do trabalho das assessorias técnicas, referendando a atuação delas.

    Instabilidade jurídica
    Diego Guimarães, gerente jurídico do Projeto de Assessoria Técnica dos Atingidos do Centro Agroecológico Tamanduá (CAT), mostrou-se preocupado exatamente com essas idas e vindas da ação judicial, que podem inclusive afetar a atual proposta de repactuação. Ele manifestou temor da repactuação gerar instabilidade jurídica, pois a proposta poderia “zerar tudo e começar de novo”.

    Rememorou que, nesses quase oito anos, foram firmados quatro Termos de Ajuste de conduta (TACs) envolvendo o tema. Acrescentou que milhares de pessoas continuam com direitos básicos violados, além de os danos terem se intensificado ao longo dos anos.

    “Então, me parece temerário acreditar que fazer novo acordo seja a solução. E se ela não vier, a chamada reparação integral viraria um mero discurso.”
    Diego Guimarães
    Gerente jurídico do Projeto de Assessoria Técnica dos Atingidos do CAT
    Ele ainda foi questionado pelo presidente da comissão, deputado Ulysses Gomes (PT) sobre a expectativa em relação a ação que corre na justiça inglesa. O processo, que coloca como atingidos 700 mil pessoas, 2 mil empresas e todas as prefeituras da bacia do Rio Doce, já tem audiência marcada para abril de 2024, em Londres, conforme informou o parlamentar.

    O advogado respondeu que “reconhecer e legitimar tal processo seria uma espécie de confissão de que o sistema judiciário brasileiro não funciona”.

    Assessorias atacadas
    Rodrigo Vieira, assessor técnico da Cáritas Regional Minas Gerais, reforçou a fala de sua colega ao afirmar que o direito dos atingidos às assessorias técnicas, definido em 2016, só agora está sendo exercido de fato, após sete anos. Ainda assim, ele ressaltou que essas instâncias estão sendo muito atacadas.

    Citou estudo que fizeram sobre a saúde mental das famílias, o qual constatou que mais de 55% dos jovens atingidos têm vontade de se suicidar. Foram 6 meses de trabalho de coleta de dados e, ao final, foi elaborado um dossiê. Depois, junto com a UFMG, foi criada uma matriz de danos, que eles pretendem anexar ao processo.

    Ele aproveitou para criticar a forma de reparação negociada que vem ocorrendo, em que as empresas criminosas, Vale, BHP e Renova, continuam determinando o preço do que os atingidos perderam. “A assessoria técnica e independente é que vai permitir a melhor reparação para os atingidos”, propôs.

    Registrou ainda que essas empresas estão estabelecendo o prazo de 30 meses para conclusão da assessoria técnica, prazo com o qual não concorda.

    Cerca de 65% dos atingidos não receberam indenização

    Franciene Vasconcelos, coordenadora institucional do Programa Rio Doce da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), lembrou que os danos ambientais e sociais são continuados. Por isso, a entidade fez novas coletas de dados para saber qual o cenário atual.

    “Os dados nos espantam: 65% dos atingidos não receberam um centavo de indenização; e na contramão disso, vemos publicidade dizendo que a maior parte já foi reparada.”
    Franciene Vasconcelos
    Coordenadora institucional do Programa Rio Doce da Aedas
    Ela ressaltou que jovens, crianças e adolescentes, além das comunidades tradicionais, não foram ouvidos. De acordo com a pesquisa, 81% dos atingidos estão em situação de insegurança alimentar, sendo que 30% deles com insegurança alimentar grave.

    A gestora sugeriu que as assessorias continuem atuando até a reparação completa dos danos. “Além de independentes, elas devem ser gratuitas para os atingidos e pagas com recursos bloqueados das empresas”, defendeu.

    Interferência no processo
    Já Lidiene Cardoso, coordenadora institucional da Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (ADAI), disse que a entidade faz assessoria em seis territórios no Espírito Santo. Ela denunciou que as empresas tentam o tempo todo interferir no processo, cerceando direitos dos atingidos e a atividade das assessorias.

    Por fim, reclamou da insegurança jurídica vivenciada pelas entidades, já que todas investiram recursos na contratação de pessoal e outras ações e não sabem se a atividade será mantida numa nova repactuação.

    Sobre o tema também falou Wellington Azevedo, coordenador-geral da Cáritas Diocesana de Governador Valadares (Rio Doce), que se mostrou inseguro com relação ao pagamento das próximas parcelas da Justiça às entidades de assessoria técnica.

    Ele ainda denunciou que, na época do primeiro juiz, houve uma verdadeira “farra dos advogados”. Segundo ele, o magistrado se recusava a falar com os atingidos, definindo como seus únicos porta-vozes os advogados. Muitos desses profissionais, segundo Azevedo, se enriqueceram às custas de indenizações desviadas de atingidos.

    O deputado Doutor Jean Freire (PT), vice-presidente da comissão, lembrou que passou por Conselheiro Pena (Rio Doce) recentemente e viu o rio e, em paralelo, um trem carregado de minério. “De um lado, o trem levando a riqueza; do outro, o rio levando rejeitos”, comparou. Ele confessou que ao ouvir os relatos desta audiência, sentiu-se um pouco impotente.

    Por outro lado, pediu aos convidados que não desistissem. “É preciso provocar todos os órgãos envolvidos, até a ONU, para a justiça acontecer. Senão, as pessoas vão se cansar e as coisas vão continuar como estão”, disse.

    A deputada Beatriz Cerqueira (PT) considerou que a Renova está renovando diariamente o crime, com a violação de direitos dos atingidos. “Grande parte do recurso que deveria chegar para a reparação é usada para auto-remuneração dos diretores, que têm salários altíssimos; a Renova é uma tragédia na vida das pessoas”, conclui ela, defendendo uma CPI para apurar a atuação dessa fundação. Fonte: ALMG.