No Norte de Minas Gerais, pesquisadores identificaram três novas espécies de margaridas amarelas, elevando para 11 o número de espécies recém-descobertas na região do Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (PAT Espinhaço Mineiro) nos últimos dois anos. Historicamente carente de estudos sobre biodiversidade, essa área tem revelado um potencial notável para novas descobertas científicas.
As pesquisas foram viabilizadas por uma ação do PAT, que é coordenado pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG), por meio do Projeto Pró-Espécies: Todas contra a extinção, uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) em parceria com 12 estados, implementada pelo Funbio e executada pelo WWF-Brasil. O financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) possibilitou expedições realizadas entre 2022 e 2024, permitindo a identificação de espécies inéditas para a ciência — incluindo um novo gênero botânico, uma conquista significativa para a pesquisa biológica no Brasil.
A perspectiva é que aproximadamente 10 novas espécies sejam descritas e publicadas ainda este ano, reforçando o status do Norte de Minas como um dos principais hotspots de biodiversidade do país.
As margaridas recém-descobertas pertencem ao gênero Calea, cujo nome deriva do grego kallos (beleza), refletindo as características dessas plantas. Entre as novas espécies, Calea roqueana foi nomeada em homenagem à pesquisadora Nádia Roque, referência nacional da família Asteraceae (maior família de plantas com flor), falecida antes de receber essa distinção. Já Calea riopardensis faz referência à cidade de Rio Pardo de Minas, enquanto Calea strigosa se destaca pelos tricomas (estruturas semelhantes a pelos) que recobrem caule e folhas. C. riopardensis e strigosa foram descobertas na área do Parque Estadual Serra e Talhado, já C. roqueana no Pico da Formosa no município de Monte Azul e em Licínio de Almeida na Bahia.
As três espécies são endêmicas e já “nascem” enfrentando risco de extinção. Por isso, a identificação e descrição são fundamentais para embasar estratégias de conservação, envolvendo instituições como o IEF, organizações não governamentais e a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço.
Segundo Gabriela Brito, analista do IEF e coordenadora do PAT Espinhaço Mineiro, o Norte de Minas é uma região extremamente rica em biodiversidade, mas historicamente negligenciada em estudos científicos. “O reconhecimento dessas novas espécies reforça a necessidade de mais investimentos e estratégias de conservação”, defende Gabriela.
Um dos desafios enfrentados pelos pesquisadores é a necessidade de ilustrações botânicas detalhadas para a publicação oficial das espécies. Embora tenham sido amplamente fotografadas, os padrões científicos exigem representações gráficas precisas. O projeto Pró-Espécies tem apoiado essa etapa, contratando ilustradores especializados para viabilizar a divulgação formal das descobertas.
Ciência sem limites
Além de seu impacto científico e ambiental, a descoberta das três novas espécies também chama atenção para a inclusão de pessoas com deficiência na ciência. O estudo foi liderado pelo doutor em botânica Vinícius Bueno, diagnosticado há 20 anos com a Síndrome de Charcot-Marie-Tooth, uma doença neurológica degenerativa que afeta os nervos periféricos, causando atrofia e fraqueza muscular, além de dores nos músculos e nervos.
Apesar das dificuldades, Vinícius se tornou um especialista em Asteraceae e foi o primeiro autor do artigo que descreveu as novas espécies. Durante sua trajetória acadêmica, enfrentou preconceitos e resistência:
“Durante o mestrado, ouvi que minhas limitações físicas comprometeriam a qualidade do meu trabalho. Na véspera do doutorado, disseram que meu projeto era inviável devido às minhas condições”, relembra. Contrariando essas previsões capacitistas (preconceito contra pessoas com deficiência), Vinícius se consolidou como uma referência no estudo de Calea, um gênero distribuído entre a Argentina e o México. Sem poder realizar expedições em áreas remotas, ele utilizou tecnologia e redes de colaboração, conectando-se com botânicos de todo o Brasil, acessando herbários e bases de dados digitais, e participando de encontros científicos.
“Já que não vou ao campo, faço o campo vir até mim, conhecendo as plantas por meio das observações e registros de outros pesquisadores”, explica.
Um guia ilustrado para a flora de Minas Gerais
Além da publicação dos artigos científicos, os pesquisadores que atuam no PAT Espinhaço Mineiro estão desenvolvendo um guia ilustrado da flora do Norte de Minas. O material contará com imagens detalhadas das novas espécies. O Projeto Pró-Espécies continua apoiando a pesquisa e a conservação da biodiversidade brasileira, garantindo visibilidade para regiões antes pouco estudadas. Com essas novas descobertas, espera-se que medidas de proteção sejam ampliadas, assegurando a preservação dessas espécies únicas para as futuras gerações.
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