Museu da Inconfidência tem melhorias e é inserido na rota dos escravizados da UNESCO

    O diretor do Museu da Inconfidência, Alex Calheiros, foi ao plenário da Câmara de Ouro Preto para apresentar um balanço da atual gestão do Museu da Inconfidência, que recentemente foi reconhecido como “lugar de memória sensível da rota dos povos escravizados” da UNESCO, dada sua relação com a história carcerária e a contribuição da população negra em sua construção.

    “O museu tinha uma estrutura extremamente fragilizada. Agora temos um diagnóstico completo dos nossos problemas e projetos aprovados pelo Iphan e na Lei Rouanet que somam mais de R$ 20 milhões em recursos”, informou o diretor. Além disso há alguns anos o museu contava com apenas seis servidores e um orçamento anual de R$ 1,47 milhão. Hoje, a equipe cresceu para 16 servidores e o orçamento chegou a R$ 4 milhões em 2024.

    Por: João B. N. Gonçalves, Hynara Versiani e Leandro H Santos.

    Durante a 26ª Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Ouro Preto, realizada na última terça-feira, 15 de abril de 2025, o diretor do Museu da Inconfidência, Alex Calheiros, utilizou a Tribuna Livre para apresentar um balanço da atual gestão da instituição.

    A fala, motivada por uma representação do vereador Matheus Pacheco (PV), protocolada em fevereiro, revelou um cenário de avanços significativos, ainda que permeado por dificuldades estruturais herdadas de décadas anteriores.

    Fundado em 1944, e considerado um dos principais aparelhos culturais de Ouro Preto, o Museu da Inconfidência tem passado por um processo de revitalização nos últimos três anos. Segundo Calheiros, quando assumiu a direção, o museu contava com apenas seis servidores e um orçamento anual de R$ 1,47 milhão. Hoje, a equipe cresceu para 16 servidores e o orçamento chegou a R$ 4 milhões em 2024, com previsão de R$ 5,5 milhões em 2025.

    O número de visitantes quase dobrou: de 190 mil por ano, o Museu recebeu 347 mil pessoas em 2024, superando, pela primeira vez, a marca do Museu Imperial. A principal razão para o aumento, segundo Calheiros, foi a adoção da gratuidade, política que tem sido defendida pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), mesmo diante da obrigatoriedade legal de cobrança.

    Apesar dos progressos, o museu encontra-se atualmente fechado para reformas. As intervenções foram motivadas pela necessidade de readequação elétrica, mas se expandiram após constatações técnicas. Com recursos de R$ 2 milhões obtidos junto ao Ministério Público, o Museu realiza hoje limpeza da cantaria, pintura externa e interna, reforma da rede elétrica e conservação preventiva do acervo — ações inéditas em 20 anos.

    “O museu tinha uma estrutura extremamente fragilizada. Agora temos um diagnóstico completo dos nossos problemas e projetos aprovados pelo Iphan e na Lei Rouanet que somam mais de R$ 20 milhões em recursos”, informou o diretor.

    Além disso, uma parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia viabilizou R$ 1,2 milhão para a digitalização do acervo museológico. Projetos também estão em curso para requalificar os anexos da Casa do Pilar e transferir a biblioteca e o arquivo, hoje alocados em um imóvel precário de pau a pique.

    Outro destaque da gestão foi o reconhecimento do Museu da Inconfidência como “lugar de memória sensível da rota dos povos escravizados”, dada sua relação com a história carcerária e a contribuição da população negra em sua construção.

    Ainda durante sua fala, Alex Calheiros anunciou uma parceria com a Polícia Federal para realizar um estudo grafológico em um exemplar raro da Constituição Americana, conhecido como “Livro do Tiradentes”. O objetivo é confirmar se anotações no documento foram feitas pelo próprio inconfidente.

     O vereador Matheus Pacheco (PV) elogiou a atuação do diretor e destacou a importância do museu para o turismo e a economia local: “O museu está passando por intervenções que precisa passar e ter esse esclarecimento seu do que está acontecendo é muito importante, até mesmo para a gente poder responder para a população, que é uma pausa temporária para garantir vida longa ao museu.” Pacheco também ressaltou o valor do diálogo entre o museu e a Câmara, citando como exemplo a recente reunião entre vereadores e o Iphan.

    A Câmara Municipal demonstrou apoio à condução da atual gestão.

    O vereador Alex Brito agradeceu a presença do diretor e ressaltou a relevância do equipamento cultural para a identidade de Ouro Preto: “Agradeço ao diretor por estar aqui e pela apresentação. O museu é fundamental para a cidade, para a história e para a preservação da nossa cultura. Parabenizo a gestão pelos avanços mesmo diante das dificuldades enfrentadas.”

    Rota dos escravizados da UNESCO:

    Como parte do novo ímpeto que a Diretora-Geral da UNESCO decidiu dar ao trabalho essencial de memória e educação sobre o comércio transatlântico de escravos e suas vítimas, 22 locais aderiram à Rede de Lugares de História e Memória da UNESCO relacionados à Escravidão e ao Comércio de Escravos. Essa rede permitirá a esses locais compartilhar boas práticas em conservação, promoção e educação.

    Os primeiros 22 locais a integrar a rede foram revelados em um evento na sede da UNESCO em Paris, na semana passada, como parte do 30º aniversário do programa de destaque da Organização, Rota dos Povos Escravizados.

    Dez Estados Membros da UNESCO propuseram esses locais a um Comitê Científico Internacional encarregado de supervisionar a rede: Brasil, Canadá, Colômbia, Gana, Haiti, Reino dos Países Baixos, Maurício, México, Nigéria e Estados Unidos.

    • Museu da Inconfidência (Brasil)

    A reconfiguração em andamento do museu visa destacar o trabalho dos povos escravizados da região de Minas Gerais. O museu busca se tornar um espaço conhecido de educação, mediação cultural e conscientização sobre o racismo e a discriminação sofrida por pessoas de ascendência africana no Brasil.

    • Museu Casa da Hera (Brasil) 

    O Museu Casa da Hera é uma casa senhorial, um vestígio material da elite cafeeira de Vassouras. Seu novo plano museográfico visa destacar a história da produção de café no Brasil do século XIX, que foi realizada por povos escravizados. O plano inclui a restauração dos alojamentos de escravos na plantação e a digitalização dos arquivos relacionados à escravidão da propriedade por meio de uma exposição e acesso online.

    • Museu da República (Brasil) 

    O Museu da República, que já abrigou a Presidência da República Brasileira, foi construído com a riqueza gerada pelo trabalho dos povos escravizados. Seu futuro redesenho museográfico visa destacar essa realidade histórica e promovê-la em discussões com autoridades federais e locais, bem como com os descendentes de pessoas escravizadas. O museu serviria, assim, como uma ferramenta de mediação cultural e educação contra o racismo e a discriminação.

    • Africville (Canadá) 

    Africville é um bairro em Halifax (província da Nova Escócia), que se mantém como um testemunho poderoso da prática da escravidão no Canadá. Também é um remanescente das comunidades de escravizados nos Estados Unidos que fugiram em busca de liberdade. Alguns deles mais tarde se estabeleceram em Serra Leoa. Os descendentes de escravizados criaram uma comunidade em Africville, preservando seus ritos e tradições, que resistiram mesmo após a destruição do bairro em 1970. O museu, estabelecido pelas comunidades, é, portanto, o único vestígio material restante desse bairro.

    • Palenque de San José de Uré (Colômbia) 

    O Palenque de San José de Uré é um assentamento fundado por quilombolas (palenques) no século XVI, formado por pessoas escravizadas que se revoltaram enquanto trabalhavam nas minas da região. Sua antiguidade explica a preservação de certos costumes e práticas políticas. Um lugar significativo de memória, preservando rituais e práticas culturais ligadas à África, está planejado para se tornar um importante espaço educacional sobre a história da escravidão na Colômbia, com o total envolvimento das comunidades.

    • San Basilio de Palenque (Colômbia) 

    San Basilio de Palenque é um lugar de importância memorial, bem conhecido na historiografia da resistência à escravidão. Foi uma das primeiras cidades africanas livres nas Américas e foi inscrita, em 2008, na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO. O vilarejo de San Basilio é habitado principalmente por afro-colombianos, descendentes diretos de africanos escravizados, que preservaram suas tradições ancestrais e também desenvolveram sua própria língua, o Palenquero.

    • Castelos e Fortes de Gana (Gana)

    Na costa entre Keta e Beyin, os Castelos e Fortes de Gana, postos comerciais fortificados fundados entre 1482 e 1786, são os remanescentes das rotas comerciais estabelecidas pelos portugueses. Esses monumentos históricos testemunham o contato entre a Europa e o continente africano e são um lembrete do papel de Gana no comércio triangular e na escravidão. Muitos desses fortes e castelos foram originalmente construídos por europeus para proteger suas posições e pessoal, tanto contra rivais europeus quanto contra nações africanas. No final do século XVII e início do século XVIII, o comércio atlântico de escravos reforçou o papel dos fortes como zonas de trânsito para pessoas escravizadas, o que até hoje molda a percepção comum desses locais em Gana.

    • Bois Caïman (Haiti) 

    Bois Caïman (Bwa Kayiman em crioulo) é um local simbólico que abrigou a reunião de quilombolas que levou à abolição da escravidão e à independência do Haiti. A data da revolta desencadeada por essa reunião foi escolhida pela UNESCO para celebrar o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição (23 de agosto). As autoridades nacionais estão comprometidas em promover o local, particularmente através da organização de numerosas visitas escolares. Além disso, o projeto do Museu Nacional da Escravidão será construído nesse local.

    • Godet & Golden Rock (Reino dos Países Baixos) 

    Esses dois locais incluem plantações e exemplos mais antigos de cemitérios de escravizados no Caribe, demonstrando que a ilha de Santo Eustáquio não era apenas um ponto de trânsito, mas, de fato, um destino para milhares de africanos. O engajamento do Reino dos Países Baixos na Rede reflete o desejo do país de promover melhor seu patrimônio vinculado à história da escravidão em seus territórios ultramarinos.

    • Município de Cuajinicuilapa (México) 

    O município de Cuajinicuilapa está situado em uma das regiões mais significativas do México em relação à escravidão, tanto histórica quanto culturalmente. É o lar do primeiro museu do país dedicado aos descendentes de escravos africanos no México e sua história: o Museu das Culturas Afromestiças, anteriormente chamado Museu da Terceira Raiz. Em 2016, as autoridades locais instalaram uma placa na praça central, local que abriga várias atividades culturais e sociais, para comemorar a história do tráfico transatlântico de escravos.

    • Forte de San Juan de Ulúa (México) 

    O Forte de San Juan de Ulúa faz parte de um grande complexo de fortalezas, prisões e um antigo palácio em uma ilha de mesmo nome no Golfo do México, com vista para o porto de Veracruz, no México. Como uma das entradas do porto, é um local histórico significativo vinculado ao comércio de escravos na Nova Espanha.

    A picture of UNESCO's HQ Room II during an event

    FOTO : BENJAMIN LOEMBET – COMISSÃO DA UNESCO PARA ROTA DOS ESCRAVIZADOS

    • Município de Yanga (México) 

    Yanga é um município localizado na área sul do estado mexicano de Veracruz. Anteriormente conhecida como San Lorenzo de los Negros (após uma colônia de quilombolas no início do século XVII), em 1932 foi renomeada em homenagem a Yanga, o líder quilombola que, em 1609, resistiu ao ataque das forças espanholas que tentavam recuperar o controle da área. O município de Yanga continua a abrigar uma comunidade quilombola significativa. Yanga é um importante local de peregrinação para pessoas de ascendência africana no México, bem como para turistas de ascendência africana de todo o mundo. Atividades culturais são regularmente organizadas em colaboração com a população local.

    • Centro Histórico da Cidade do México (México)

    Para reconhecer a história da escravidão no México, uma placa comemorativa foi instalada em 2016 na Praça Santo Domingo, localizada no Centro Histórico da Cidade do México. Essa placa destaca as contribuições de pessoas de ascendência africana, tanto escravizadas quanto livres, para a formação da Nova Espanha e da sociedade mexicana. Essa iniciativa é apoiada por várias organizações antirracistas ativas na cidade.

    • Centro Histórico de Acapulco (México)

    Seguindo o exemplo da Cidade do México, Acapulco planeja instalar duas placas para comemorar sua conexão histórica com a escravidão: uma no Forte de San Diego e outra no Centro Histórico.

    • Museu da História da Escravidão em Marina Beach – Calabar (Nigéria) 

    Localizado no sítio de um armazém de comércio de escravos do século XV, o porto de Calabar foi o ponto de embarque final para uma parcela significativa (20%) dos cativos que saíam da costa africana durante o comércio transatlântico de escravos, sendo considerado um “Ponto Sem Retorno”. O Mercado de Escravos da Praia de Esuk Mba foi um dos pontos mais importantes do comércio de escravos entre os séculos XV e XIX.

    • Badagry (Nigéria)

    Esta cidade no estado de Lagos foi uma das rotas transatlânticas mais importantes para a exportação de africanos escravizados para a Europa e as Américas. No século XVIII, Abass Ifaremilekun Fagbemi, natural da região, foi capturado por um comerciante de escravos de Daomé durante um dos conflitos entre Daomé e os Egba e levado ao Brasil, onde foi vendido como servo. Após obter sua liberdade, ele retornou à Nigéria como parceiro de negócios de seu antigo senhor e estabeleceu-se em Badagry. No início da década de 1840, construiu e gerenciou um quartel com 40 celas para escravos. Este lugar histórico, agora um museu, compreende as 40 celas onde os indivíduos escravizados eram presos e vendidos. Outros monumentos incluem o Museu de Relíquias da Escravidão Mobee, o Museu do Patrimônio de Badagry, o Mercado e Santuário de Escravos de Vlekete, assim como o Porto e Rota dos Escravos e o Túmulo de George Freemingo.

    • Museu Internacional Afro-Americano (Estados Unidos)

    O Museu Internacional Afro-Americano (IAAM) em Charleston, Carolina do Sul, está situado no porto de comércio de escravos mais importante da América do Norte. Ele enfatiza a mediação cultural, acolhendo um público diverso e promovendo um diálogo inclusivo. Ao longo do ano, o museu hospeda uma variedade de eventos culturais e memoriais focados no comércio transatlântico de escravos. Um de seus projetos notáveis é a criação do “Jardim Memorial aos Ancestrais Africanos”, projetado para comemorar a história do porto de comércio de escravos. Este jardim contará com instalações artísticas, um jardim etnobotânico onde os visitantes poderão aprender sobre as sementes e plantas trazidas pelos africanos deportados, e uma paisagem sonora que explora diversas línguas africanas. O jardim será gratuito e aberto ao público, reforçando o compromisso do museu com a acessibilidade e a educação.

    • Penn Center (Estados Unidos)

    O Penn Center é um distrito histórico de 50 acres que compreende 25 edifícios e estruturas históricas na Ilha de St. Helena, Carolina do Sul. A Ilha de St. Helena já foi uma grande plantação de índigo e algodão até a Guerra Civil, que levou ao colapso do sistema escravista nos Estados Unidos. O Penn Center foi a primeira escola dedicada a educar indivíduos recém-libertados e a construir um futuro pós-escravidão.

    • Cabana do Presidente Lincoln (Estados Unidos) 

    A Cabana do Presidente Lincoln é um local histórico e museu localizado no Noroeste de Washington, D.C. É considerada o local onde a Proclamação de Emancipação foi desenvolvida. Foi designada como ‘Monumento Nacional’, ‘Marco Histórico Nacional’ e ‘Sítio do National Trust for Historic Preservation’. As visitas guiadas se concentram em temas de liberdade, igualdade e justiça, abordando também os legados da escravidão.

    • Museu de História Negra e Centro Cultural da Virgínia (Estados Unidos) 

    O Museu de História Negra e Centro Cultural da Virgínia, localizado em Richmond, Virgínia, foca na história dos afro-americanos no estado. As galerias do primeiro andar apresentam exposições permanentes digitalmente aprimoradas que exploram histórias e artefatos críticos detalhando os períodos da Emancipação, Reconstrução, Leis de Jim Crow, Dessegregação, Resistência em Massa e Direitos Civis. Através de seu conteúdo, destaca e entrelaça as vidas de indivíduos escravizados com os testemunhos de seus descendentes.

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