Privatização de serviços públicos, corte de garantias constitucionais, prejuízos para os servidores e para a sociedade, aumento da contratação sem concursos, desmonte da administração pública. Essas foram algumas das críticas feitas por parlamentares, estudiosos e dirigente sindicais à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, que trata da reforma administrativa federal. O debate ocorreu nesta quinta-feira (27/5/21), na Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A culpa imputada aos servidores e à estrutura do Estado pelas dificuldades fiscais do País foi um dos argumentos centrais do governo federal rechaçados pelos participantes. Essa seria “mais uma falácia da PEC 32/20”, segundo a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli. Com base em dados que demonstram a destinação de recursos majoritariamente para pagamento da dívida pública, ela apontou que o real motivo das mudanças propostas é o atendimento de interesses do mercado.
“O Artigo 37-A da PEC é gravíssimo. Ele cria a possibilidade de compartilhamento de qualquer serviço com a iniciativa privada”, explicou Maria Lúcia. O deputado federal Rogério Correia (PT/MG) complementou que a proposta do governo federal permite que os três entes federados façam contrato de cooperação com empresas privadas. “Como Zema quer fazer com as escolas”, exemplificou.
Servidores – O prejuízo para os servidores também foi pontuado por vários participantes, sendo pontos principais o fim da estabilidade e de benefícios concedidos exclusivamente por tempo de serviço, além do fim do Regime Jurídico Único. Embora, originalmente, a PEC traga impactos somente para quem ingressar no serviço público após sua aprovação, o deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT/MG) alertou que já há colegas colhendo assinaturas para incluir os atuais servidores, também de estados e municípios, nas mesmas regras.
“Romeu Zema já esteve em Brasília para essa agenda. Isso evitaria o desgaste de se fazer a reforma administrativa estadual”, afirmou o parlamentar. Ele se dirigiu também aos militares, que, em sua visão, se sentem protegidos das reformas. “A promoção de soldado para cabo se dá exclusivamente por tempo de serviço. Temos também o fim do quinquênio”, pontuou. Já Celinho Sintrocel (PCdoB) destacou o fim da licença para mandato sindical e o avanço da agenda ultraliberal de privatização dos serviços públicos,
O deputado Professor Cleiton (PSB) rechaçou a culpa dos servidores na situação fiscal brasileira. “Somos o País emergente com o menor percentual de servidores públicos em relação à população, 12,5%, contra taxa de 21% em países desenvolvidos”. Além dele e de Celinho do Sintrocel, assinaram o requerimento para a audiência os parlamentares petistas André Quintão e Beatriz Cerqueira.
Sociedade seria a maior prejudicada
Vários participantes apontaram o risco de queda de qualidade em serviços públicos universais de saúde, assistência social e educação, com prejuízo não apenas para os servidores, mas para a sociedade como um todo. “Quem mais precisa das políticas públicas é quem não pode acessar os serviços privados. Teremos um Estado fraco, incapaz de prover direitos básicos à população”, alertou André Quintão. “A estabilidade não é garantia individual do servidor, mas do serviço público”, pontuou Eurico Neto – Foto:Daniel Protzner
Júlia Restori, presidente do Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais, citou como exemplo a falta de recomposição do quadro de servidores do INSS, que tem gerado dificuldade na obtenção de benefícios.
Outro impacto para o conjunto da sociedade, segundo os participantes, viria da criação de cargos de liderança e assessoramento, inclusive de nível técnico, sem concurso. Eurico Neto, professor da UFMG e ex-presidente do Instituto Mineiro de Direito Administrativo, salientou que, hoje, existe jurisprudência que limita eventuais desvios nos cargos em comissão, o que não é previsto na PEC. Segundo Subtenente Gonzaga, estudo feito no Senado indica a possível criação de 300 mil novos cargos dessa natureza só na União.
Participantes destacaram o uso político que poderá ser feito desses cargos, com apadrinhamento. “A estabilidade não é garantia individual do servidor, mas do serviço público, para torná-lo compatível com princípios republicanos”, reforçou Eurico Neto. “É a PEC que institucionaliza a rachadinha”, ironizou Antônio Fernandes Neto, da Central dos Sindicatos Brasileiros.
Mobilização – Rogério Correia defendeu a mobilização contra a PEC e disse acreditar na chance de sucesso dos movimento sociais. “Houve resistência na Comissão de Justiça. O relator teve que mudar algumas coisas e ainda reclamou de outdoors na cidade dele, que o prejudicam eleitoralmente. Isso dá uma dica para a ação dos sindicatos”, ironizou, reforçando que será necessária a pressão sobre os parlamentares.
O deputado Betão também convocou os manifestantes às ruas, no próximo sábado (29), mas reforçou a necessidade de cuidados essenciais como distanciamento social e uso de máscara. Também para ele, o mercado está impulsionando todas as reformas recentes no País.
PEC divide servidores em “classes”
Para Valéria Gonçalves, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a PEC 32 promove a divisão dos servidores públicos, que estarão em diferentes “classes”, umas com mais direitos e outras com menos. Além disso, a proposta abre brechas para que mesmo os atuais servidores sejam demitidos caso não atinjam determinado nível na avaliação de desempenho.
Já José Reginaldo Inácio, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), avalia que a PEC se soma a várias normas aprovadas no sentido de precarizar o trabalho e de esvaziar o sentimento de classe, como a lei da terceirização e as reforma da previdência e trabalhista.
Pandemia – Cristina Gomes, da Força Sindical, considerou que a PEC, além de todos seus malefícios, está sendo proposta num momento totalmente inadequado em virtude da pandemia. “Esta reforma é inaceitável e, por isso, temos que fazer a mobilização, mostrar a cara, porque estão nos destruindo neste período de isolamento”, disse.
Bruno Viegas, da Confederação Brasileira dos Policiais Civis (Cobrapol), defendeu as promoções por tempo de serviço, pois representariam “o reconhecimento pela aquisição do conhecimento empírico”.
Câmaras – Antônio Carlos Lima, da Associação dos profissionais das carreiras típicas do Estado, informou que Assembleias de vários Estados e câmaras municipais de todo o Brasil estão fazendo reuniões como a da ALMG, aumentando a mobilização contra a PEC.
Unidade – Eduardo Maia, da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), informou que a Confederação Latino Americana dos Trabalhadores Estatais estava fazendo também uma reunião com representantes de 23 países em solidariedade aos servidores do Brasil contra a PEC 32. Ele elogiou a unidade obtida na audiência da ALMG, da qual participaram todas as centrais sindicais brasileiras.