Participantes de reunião relatam subnotificação na pandemia e demandam informações que embasem ações governamentais.
A falta de dados consolidados sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes na pandemia foi destacada, nesta quarta-feira (11/5/22), em audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
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O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Minas Gerais, Junie Penna, abordou a necessidade de se obter essas informações. Ele comentou que o Disque 100 tem um viés muito específico e que há grande subnotificação.
“É urgente um debate sobre a necessidade de se produzir dados confiáveis sobre o assunto que apontem para o que aconteceu nesse período. Já sabemos que abusadores têm utilizado a Lei da Alienação Parental para continuar a abusar de crianças e adolescentes”, afirmou.
Junie Penna explicou que esse é um fenômeno contemporâneo. “O Brasil é o único país que regulamentou essa questão da alienação parental, o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) não reconhece como síndrome. Isso em um País que ainda tem como base o machismo”, salientou, acrescentando que, nesse sentido, é preciso ser visto o uso que tem sido feito da legislação.
A Lei federal 12.318, de 2010, foi criada com o objetivo de proteger menores de idade de brigas de ex-casais, em que um lado pode manipular a criança ou impedir o acesso do outro ao filho. Mas, há relatos de que ela, em muitas situações, acaba por proteger suspeitos de praticar violência.
O coordenador do Fórum de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes de Minas Gerais, Moisés Barbosa Ferreira Costa, salientou que, depois da pandemia, muitos casos de abusos chegaram à rede de enfrentamento. “A grande maioria ocorre nos domicílios. É uma violência perpetrada por pais, padrastos e mães”, contou.
Ele enfatizou que Minas Gerais é o terceiro estado do País em denúncias de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, o que pode indicar também que campanhas de conscientização estão sendo bem desenvolvidas no Estado.
Carlos Guilherme defendeu investimento em prevenção – Foto:Guilherme Bergamini
O presidente do Fórum Mineiro de Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares, Carlos Guilherme da Cruz, salientou que todo caso de violência sexual contra crianças e adolescentes é tratado pelos conselhos tutelares.
Apesar disso, relatou que conselhos de municípios menores, com poucos casos de violência desse tipo, têm dificuldades estruturais e de acesso a capacitações.
“Uma criança abusada é muita coisa. Não precisamos ter centenas de crianças abusadas para a cidade contar com recursos voltados ao enfrentamento da violência sexual. A política deve ser de prevenção”, defendeu.
Segundo a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, promotora Paola Domingues Botelho Reis de Nazareth, esse tipo de crime é um fenômeno cultural, histórico e, sobretudo, invisível, que só pode ser coibido eficientemente se todas as engrenagens de proteção funcionarem de forma coesa e harmoniosa.
Ela apontou também deficiências nas estruturas da Polícia Civil e do Judiciário, respectivamente, na apuração e punição com maior rapidez desses crimes, como empecilhos a serem superados. Também cobrou mais eficiência na notificação deste tipo de violência nas redes de saúde, educação e assistência social para que mais casos cheguem ao conhecimento dos conselhos tutelares.
Maurício Damas fez um clamor para que os adolescentes sejam escutados – Foto:Guilherme Bergamini
Integrante do Circo de Belô, Maurício Santos da Silva Damas fez um relato emocionado de casos de violência sexual em que jovens vítimas foram desacreditados e não tiveram lugar de fala.
“Temos que ter cuidado com o que os adolescentes falam. A gente precisa acreditar na palavra dos adolescentes”, afirmou.
Ele salientou ainda os danos que acompanham esses jovens pela vida após vivenciarem episódios de violência, como traumas, depressão e baixa autoestima. “Crianças traumatizadas viram adultos difíceis”, destacou.
O subsecretário de Direitos Humanos da Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social (Sedese), Duílio Silva Campos, reconheceu que o advento da pandemia de coronavírus dificultou o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, inclusive levando à subnotificação de casos recebidos por meio do Disque 100.
“Com todo mundo ficando em casa, muitas vezes as vítimas se viram confinadas com seus abusadores. E a falta de aulas presenciais foi um dificultador a mais, pois a estrutura escolar muitas vezes ajuda na identificação do agressor”, avaliou.
Apesar disso, ele ressaltou que o Executivo colocou em prática nesse período uma série de ações e parcerias. Em relação às dificuldades na operação do Sistema Nacional de Registro e Tratamento de Informações (Sipia) pelos conselheiros tutelares, sobretudo no interior, o subsecretário relatou que mais de 100 municípios já têm acesso ao recurso, que possibilita o cruzamento de informações para formulação de estratégias mais eficientes, mas que já está em andamento um programa de expansão.
Essa expansão foi confirmada pela coordenadora estadual dos Direitos da Criança e dos Adolescentes da Sedese, Eliane Quaresma Caldeira de Araújo, que informou que já estão programadas capacitação por meio de ensino a distância a conselheiros e um serviço de tutoria.
Segundo a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que solicitou a reunião, o aumento das desigualdades sociais na pandemia de Covid-19, com falta de escolas, de rede de apoio e de acesso a alimentos, bem como com aumento do trabalho infantil, impactou no aumento de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Ela defendeu a necessidade de se obter dados precisos sobre o tema que embasem as ações governamentais.
O deputado Doutor Jean Freire (PT), também autor de requerimento que deu origem à reunião, falou que é preciso olhar para a realidade atual e corrigir os rumos. Ele contou que essa violência ocorre, muitas vezes, em um ambiente onde a criança deveria estar protegida, como nos seus lares e escolas. Fonte: ALMG.