“Emocionado, profundamente emocionado”, descreve Gerson Flores, de 49 anos, ao ver pela primeira vez seus quadros nas paredes de uma galeria de arte. Assim como ele, suas obras viviam no chão das calçadas belo-horizontinas até pouco tempo atrás, mas agora, reunidas na exposição intitulada Principium, ocupam a Galeria de Arte Nello Nuno, da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop). A exposição foi prorrogada e fica em cartaz até 03/07.
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A história dessa exposição começou em 2019, quando o professor e arquiteto ouro-pretano, Alexandre Mascarenhas, conheceu Gerson nas ruas da Avenida do Contorno, na capital mineira. Tocado pela originalidade e talento do artista, decidiu inscrevê-lo no edital de ocupação da galeria da Faop, localizada no centro histórico de Ouro Preto.
Entre os mais de 60 artistas inscritos no processo, Gerson foi um dos 14 aprovados selecionados. Ricardo Macêdo, professor de artes visuais da Fundação e um dos membros da comissão do edital que escolheu Gerson, afirma que as obras se destacaram pela autenticidade e pela potência de sentidos alcançada nas pinturas. O resultado animou o artista, que revelou até mesmo ter ido à Ouro Preto na época, mas com a chegada da pandemia, em 2020, as exposições precisaram ser adiadas.
Foi em março deste ano que Alexandre recebeu a notícia de que a data da estreia de “Principium” na galeria havia sido definida. Contudo, Alexandre havia perdido contato com Gerson. A abertura da mostra aconteceu, então, no dia 29/05, enquanto o curador buscava informações sobre o paradeiro do artista. Após alguns veículos de comunicação publicarem a notícia da abertura da exposição, Gerson foi encontrado no dia 11 de maio, morando em uma casa cedida pela Pastoral de Rua de Belo Horizonte, no bairro Santa Efigênia.
No último dia 27/05, Gerson se mudou para Ouro Preto, desejo que alimentava há muitos anos, e viu, pela primeira vez, ao vivo e a cores, seus quadros expostos em uma galeria de arte. O artista não conseguiu conter as lágrimas e a emoção na voz ao contar sobre tantas situações enfrentadas na rua, como a fome, a solidão e o medo. “Isso aqui é um sonho”, diz. Ele atribui à arte as transformações que vêm acontecendo em sua vida, a Deus, e também ao seu fiel amigo, Pitoco, cachorro que o acompanha há pelo menos quatro anos, desde seus primeiros meses de vida.
Para ele, essa exposição representa uma verdadeira virada em sua trajetória e é sinônimo de esperança em viver dias melhores daqui para frente. Com quadros encomendados e outros já vendidos, ele enxerga em Ouro Preto a possibilidade de viver daquilo que o destino providenciou: a arte.
Um pouco mais sobre Gerson Flores
Gerson Flores conta que vive nas ruas há mais de 20 anos. Ele perdeu seus pais ainda jovem e afirma ter passado por momentos conturbados com os irmãos no processo de divisão do imóvel que a família possuía. Ao longo de sua vida, além da arte, já trabalhou como lanterneiro, padeiro e até já fez parte de um time de futebol.
Seu primeiro contato com a arte foi produzindo esculturas de latinhas. “Uma dessas esculturas está em Miami, comprada por um homem que me viu em um vídeo postado nas redes sociais do Gabriel Pensador, aquele cantor”, comenta orgulhoso. Gerson contou que um dos incentivos para pintar veio de seu fiel escudeiro, Pitoco. O cachorro costumava mastigar canetinhas coloridas encontradas pelo caminho, então, pensou, “é melhor usá-las para desenhar”.
Suas obras são repletas de referências de suas memórias, de sua imaginação ou do seu cotidiano, e retratam desde paisagens urbanas a figuras folclóricas e mitológicas. Um dos personagens que mais aparecem em suas obras é o ser que ele denomina como onbeck/ongbeck, que corresponde a um ser vitorioso e valente que viveu no passado, representado por uma cabeça ornamentada de diamantes, sendo, por vezes, estrangulada pela serpente.
As figuras representam, segundo ele, momentos pelos quais já enfrentou, como traições, e situações em que teve de se manter forte diante das críticas que recebia sobre os seus desenhos. “Riam de mim, debochavam das minhas pinturas”, lembra. Seus quadros já chegaram a ser destruídos, até por ele mesmo, quando se magoou e cogitou desistir quando foi “expulso” da calçada onde costumava viver por proprietários de imóveis vizinhos.
Para conseguir dar vida a seu trabalho, o artista contava muitas vezes com ferramentas que encontrava pelo caminho, no lixo ou quando recebia doações: pincéis, trinchas, escovas de dimensões e diâmetros variados, restos de tintas PVA e esmalte. Já como suporte, usava pedaços de grandes dimensões de compensado, aglomerado, eucatex ou de madeira.
Por muitas vezes, sua arte era a moeda para conseguir comer. “Meus joelhos chegavam a doer de tanto que eu pedia para Deus me tirar daquela vida. Me afastei das drogas, consegui uma casa e agora me mudei para Ouro Preto. É outra vida né?”
Principium prorrogada na Galeria de Arte Nello Nuno
Para Alexandre Mascarenhas, curador da mostra, a arte de Gerson Flores precisa ser vista. “Sua obra não segue tendências, preceitos ou normativas academicistas. Não segue padrões técnicos ou tecnológicos. Não possui caráter oficial aos princípios estilísticos de um determinado período da história da arte. É atemporal à sua história de vida e contemporâneo em seus suportes, dimensões e traços”, afirma em texto que resume a exposição.
Como forma de apoio a Gerson e ao início da sua trajetória em terras ouro-pretanas, a equipe da FAOP decidiu prorrogar a exposição “Principium”, que se encerraria no mês de maio. Agora, ela ficará em cartaz até 3 de julho.
A Galeria de Arte Nello Nuno está localizada na Rua Getúlio Vargas, 185, Centro, em Ouro Preto (MG). O espaço fica aberto ao público de terça-feira à sexta-feira, de 9h às 12h, e de 13h às 17h, e aos sábados e domingos, de 14h às 18h, com entrada gratuita.
Fonte: Assessoria de Comunicação
FAOP