Mineração em Barão de Cocais é debatida na Assembleia de Minas
    Maria Júlia Andrade, ao lado da deputada Beatriz Cerqueira, disse que toque das sirenes deixa moradores apreensivos
    Foto: Willian Dias ALMG

    Risco de rompimento de barragem da Vale estressa moradores e afugenta turistas, segundo relatos de participantes de audiência na ALMG.

    Em 8 de fevereiro de 2019, a Vale acionou suas sirenes para fazer a retirada forçada de cerca de 500 pessoas de 150 famílias que viviam em quatro comunidades de Barão de Cocais (Região Central), hospedando-as em hotéis. A empresa alegou riscos de rompimento da Barragem Sul Superior da Mina Gongo Soco, no município.

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    Após a maioria voltar a suas casas, quatro anos depois, os moradores enfrentam o adoecimento provocado pelas adversidades enfrentadas. Eles convivem ainda com o medo de problemas na barragem, considerada atualmente em nível 3 de emergência, quando há risco grave e iminente de rompimento. Para completar, não receberam indenização da mineradora e, diariamente, veem a destruição gradual do município pela mineração.

    Esse cenário, apresentado à Comissão de Administração Pública em audiência nesta terça-feira (16/5/23), não condiz com os direitos reconhecidos pela Lei 23.795, de 2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens. Moradores das comunidades afetadas e instituições que os apoiam participaram da reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e apresentaram denúncias que evidenciam o descumprimento da norma estadual. Na contramão das expectativas, os órgãos estaduais convidados não enviaram representantes ao evento.

    Mineração clandestina
    Maria Júlia Andrade, que coordena o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), traçou um quadro completo da situação precária dos moradores das comunidades atingidas. Segundo ela, nunca houve algo parecido em Minas Gerais e a Vale deveria ser responsabilizada mais fortemente, pois todo o município de Barão de Cocais foi afetado, não só algumas regiões.

    Ela justifica que a cidade sofreu com a queda no número de visitantes e o crescimento da mineração, principalmente a clandestina. A população não tem mais sossego, uma vez que as sirenes tocam frequentemente, deixando todos apreensivos.

    A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a audiência pública, concordou, acrescentando que a situação em Barão de Cocais é muito grave. Além dos problemas enfrentados pelos moradores, agora está sendo discutido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser assinado pela Vale e os Ministérios Públicos Estadual e Federal, além da Defensoria Pública. Só que nas negociações não está prevista a participação dos principais interessados, os próprios moradores de Barão de Cocais.

    “A lei aprovada aqui nesta Casa prevê que um dos direitos dos atingidos é participar e essas pessoas não estão participando”, denunciou Beatriz Cerqueira. Segundo a parlamentar, após a ameaça de rompimento em 2019, a Vale passou a utilizar sirenes na cidade para controlar os territórios.

    Cleonice Gomes, moradora ribeirinha do Rio São João, disse que ela e toda a população local se tornaram doentes, tomando remédios controlados e alguns usando drogas. “A Vale tem que nos indenizar. Acabaram com nossa cidade, que agora é só poeira e caminhão de minério passando o tempo todo. E as nossas casas não têm mais o mesmo valor”, relatou.

    Nicólson Resende disse que, avisado pela Vale da emergência de sair da sua casa, foi morar em outro local, onde, tempos depois, chegou a ser baleado por ter pedido a um vizinho para abaixar o som. Ele reclamou da justiça, que tem falhado na defesa dos atingidos.

    Neusa Celestina, moradora de Barão de Cocais, queixou-se da construção desenfreada de vias, em diferentes partes do município, para atender o tráfego de caminhões da mineração. Guia de turismo, ela disse que não consegue mais trabalhar, pois “todos têm medo de ir a Barão”.

    Violência contra a identidade e o futuro de Barão de Cocais
    Além dos problemas citados pelos moradores, o vereador local Rafael Gomes acrescentou que a violência sobre as comunidades não é apenas psicológica, social e econômica, mas também contra a identidade e o futuro. Ele destacou que a localidade de Socorro, uma das mais atingidas pela mineração, é o berço do município e era povoada por indígenas. “O mais antigo patrimônio de Barão é Socorro. Nossa identidade está sendo destruída”, denunciou.

    Ele completou que também o futuro da cidade é ameaçado: “As comunidades de Barão são entraves ao grande projeto de mineração da Vale, que promove o terrorismo de barragem e desarticula nosso futuro; tudo isso com a conivência das instituições, o que é comprovado pela ausência delas nesta reunião”.

    Ainda deixou um alerta ao povo mineiro, ao lembrar que a Serra da Gandarela, na mesma região, tem minério de ferro de alta qualidade e a mineradora tem planos de explorá-lo por meio do Projeto Apolo. Só que esse minério fica no topo da serra, onde também se situa o aquífero que abastece Belo Horizonte.

    “Essa não é uma discussão de Barão de Cocais apenas. Ontem, os atingidos foram os índios. Hoje, somos nós do município. Amanhã, serão vocês da Capital e Região Metropolitana”.
    Rafael Gomes
    Vereador de Barão de Cocais
    Prefeitura

    Igor Tavares, procurador-geral da Prefeitura de Barão Cocais, afirmou que o município vem acompanhando a trajetória de luta dos moradores e das instituições contra a Vale e que a prefeitura tem buscado na justiça mecanismos de mediação tentando ampliar a participação dos moradores.

    Compromissos da comissão

    Ao final da reunião, Beatriz Cerqueira fez alguns compromissos com os moradores, dentre eles, o de contatar os órgãos envolvidos no TAC para solicitar: a inclusão de representantes das comunidades nas negociações; informações sobre os termos e prazos do TAC; e o reconhecimento de todos os munícipes como atingidos, garantindo-lhes assessoria técnica. A deputada ainda informou que pedirá à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) o reforço na fiscalização da mineração em Barão de Cocais e entorno.

    Fonte: ALMG