De Mombaça no Quênia para Mariana em Minas: registro da presença africana

    Por Leandro Henrique dos Santos

    Tem uma cachoeira em Mariana com nome de Mombaça ou Bumbaça, logo após o bairro Santo Antônio, e ao seu redor existem numerosas ruínas de casas de pedra, muito altas, bem conservadas e até uma capela de médio porte.

    Essa Cachoeira do Mombaça está entre o Morro Santo Antônio e Morro Santana, que fazem parte do parque arqueológico do Gogo

    As ruínas de lá diferem das demais ruínas do entorno pois suas pedras são de quartzito, certinhas, retangulares, e há um grande número de ruinas, algumas com três e quatro metros de altura e até um aqueduto escavado, em meio a mata e pés de jambo. São construções mais robustas e largas, por isso estão ainda de pé !

    Mas esse nome Mombaça veio de onde ?

    A história oficial registra apenas o que interessa os governos, mas os nomes dos lugares são registros importantes da história, são testemunhas do passado. Por isso muitas vezes eles mudam !

    Para explicar um nome temos que buscar na história seu significado, ir atrás de suas origens e conhecer a trajetória daquelas pessoas que deram origem ao nome, ao lugar, a povoação.

    O Pico do Itacolomi por exemplo é o único nome em tupi que ficou registrado comprovando a presença de indígenas na região de Mariana e Ouro Preto, significa Pedra – Menino (ita-curumim).

    Mombaça : cidade no Quênia, África, fez parte do império português por mais de cem anos.

     Mombaça em Mariana é o único local da região onde o nome foi originado pela presença de africanos escravizados e que se manteve. Se não fosse a cachoeira que ficou com esse nome, este local já teria sido esquecido.

    De onde veio o nome Mombaça ?

    A cidade de Mombaça situa-se no atual Quênia, banhado pelo Oceano Índico, e foi ocupada desde o ano 1100 por mercadores árabes atraídos pelo antigo mercado regional de produtos agrícolas como café, chá, frutas e milho.

    Império português:

    Com a expansão do Império de Portugal a partir de 1415 aconteceram a invasão de novas terras e criação de novas rotas marítimas criando a primeira globalização.

    Portugal ocupou as ilhas Açores, ilha da Madeira, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe na costa da África; Cochim, Goa, Colombo, Macau na Índia e Nagasaki no Japão, além de Moçambique, Cabo Verde, Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Angola na África;  Brasil na América, na Asia foram Goa, Diu, Damão, Macau e Timor-Leste.

    Os portugueses logo acharam as vantagens geográficas de Mombaça pois ficava no meio do caminho, entre Europa e Ásia e por isso serviu de escala da famosa viagem de Vasco da Gama na descoberta do caminho marítimo para a Índia. Porém sempre os habitantes se uniam para atacar e expulsar os visitantes portugueses.

    Como vingança, D. Nuno da Cunha, em 1528, a caminho de Goa onde viria a tomar posse como Governador-geral do Oriente, decidiu pela destruição da cidade de Mombaça, arrasada na ocasião, mantendo apenas uma ilha de frente a cidade, mais fácil de controlar.

    Devido a sua posição estratégica, os portugueses construíram em 1593 uma fortaleza nessa  ilha em Mombaça batizada de Jesus de Mombaça. O local se tornou um porto ideal, de águas calmas e seguro  para escala, reforma  e abastecimento dos navios portugueses no caminho para as colônias.

    A fortaleza Jesus de Mombaça se tornou também um local de envio de mão de obra escravizada capturada em guerras tribais no interior da África para o Brasil e outras colônias portuguesas.

    Durante a União Ibérica ( 1580 à 1640) os espanhóis passaram a usar também Mombaça, no caminho para sua colônia Filipinas nome dado em homenagem ao então rei da Espanha e Portugal.

    Quase cem anos depois, em 1698, os árabes expulsaram os portugueses, que ficaram na região tentando recuperar Mombaça, o que conseguiram em 1728 e 1729, quando enfraquecidos por uma peste (febre amarela) foram expulsos novamente  pelo sultão de Omã.

    Em 1875  os ingleses conquistaram Mombaça e o Quênia que foi transformado em colônia britânica com o pretexto de acabar com a piratas da região.

     Os ingleses fizeram da Fortaleza Jesus de Mombaça uma prisão até 1958 quando foi classificada como monumento histórico, e posteriormente foi eleito patrimônio mundial da Unesco. Em 1960 o Quênia se tornou um país livre após um longo período de guerras lideradas pelos guerreiros Mau Mau.

    Mariana na história:

    Isaac Rangel Vice Presidente da ACAM defende proteção para área de ruínas da Mombaça em Mariana

    D. Pedro de Almeida Portugal, o primeiro conde de Assumar, foi vice-rei da Índia entre 1676 e 1678. Como era caminho ele também ficou em Mumbaça para abastecer e fazer reparos em sua frota na viagem para o Brasil, além de comprar alimentos e curar a população doente. Medicina africana era famosa e muitas doenças eram típicas entre os marinheiros, como o escorbuto, falta de vitamina C que ataca as gengivas e era tratada com frutas pelos africanos como limão, jambo e laranja.

    O Conde de Assumar chegou ao Brasil e assumiu o Governo de São Paulo e Minas Gerais entre 1717 e 1720, considerada a mais importante Capitania do Brasil, de onde saia o ouro para Portugal manter seu Império. A sede do governo ficava no Palácio do Conde, hoje Museu de Mariana.

    Mombaça no Ceará :

    Com a expansão dos portugueses no Nordeste para evitar invasões estrangeiras, em 1706 foram concedidas terras para explorar a agricultura e criação de gado no interior do Ceará. Parte da mão de obra escravizada para o empreendimento foi trazida pelos portugueses da região de Mombaça, tanto para fazer plantações como para expulsar os índios da região. A cidade que surgiu nessa região chama-se Mombaça que  2024 contava com 40 mil habitantes.

    Mombaça em Mariana, Minas Gerais:

    Como importante centro minerador, capital de Minas, Mariana precisava de mão de obra para tocar as minas e as pedreiras de onde eram retiradas e lavradas as pedras de quartzito para as construções, como as Igrejas e casarões. O local da pedreira ficou conhecido como Mombaça, local de origem dos africanos escravizados conhecidos por falar uma língua diferente. Era Suali, dialeto do Quênia.  Daí surgiu o nome Cachoeira do povo de Mombaça.

    Com o declínio da mineração de ouro, a área dos Mombaça em Mariana foi abandonada, deixando ainda muitas ruínas bem conservadas, e pedras lavradas em forma de colunas na pedreira próxima as casas.

     Mombaça na África :  Mombaça é a segunda maior cidade do Quênia, banhada pelo oceano Índico, tem hoje 1,4 milhões de habitantes.

    Uma herança deliciosa : a fruta jambo

     Essa fruta firme e oca por dentro é original da Índia foi levada pelos portugueses para Mombaça no Quênia. Apetitosa, ela ajuda a circulação, a limpar o fígado e sendo rica em vitamina C logo foi descoberta pelos africanos como forma de combater o escorbuto. Além disso o jambo por ser mais firme consegue se conservar por muito tempo e é ideal para ser consumida nos navios que demoravam meses em alto mar.   

    Os portugueses adoravam o jambo e carregavam em seus navios que saíam da região de Mombaça para o Brasil, para Índia e outras colônias. Sementes foram trazidas para o Brasil e também para as regiões mineradoras como Mariana, onde existem vários pés dessa fruta que que se adaptou muito bem ao solo do Morro Santana e Morro Santo Antônio e entorno da Mombaça. Herança desse intercâmbio cultural e agrícola !

      Quando for nadar na Cachoeira da Mombaça e ver um pé de jambo, lembre-se de onde veio !

    Em 2022 o Prof. Célio Mol levou os aluno da Escola Estadual Dom Benevides para uma caminhada na Cachoeira da Mombaça. Meio Ambiente e história !

    Este é um local que deveria ser bem preservado, é necessário realizar um trabalho de educação patrimonial e ambiental em Mariana, contribuindo para preservação de nossa história e cultura.

    È apenas um nome, mas quanta história carrega !

    Veja vídeo produzido pela equipe da ACAM, Associação de Caçadores de Assombrações e Monstros de Mariana no local

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